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Impactos da AR 2876 na Justiça do Trabalho

Autor: Rodrigo Souza Macedo.

Fonte: Valor Econômico.

O Supremo Tribunal Federal, na Ação Rescisória 2876, declarou a inconstitucionalidade de algumas partes do Código de Processo Civil e definiu novas regras sobre quando uma decisão judicial pode deixar de ser exigida, especialmente se for baseada em uma lei que, depois, foi considerada inconstitucional.

A decisão representa um marco na efetividade dos precedentes vinculantes e traz profundas repercussões para o processo do trabalho, especialmente diante das teses vinculativos firmadas em temas como a prevalência do negociado sobre o legislado (Tema 1046), licitude dos contratos de prestação de serviços (Tema 1389 – ainda não julgado), terceirização (ADPF 324 e Tema 725), e a correção monetária de débitos trabalhistas (ADC 58). Defende-se a possibilidade de extinção de execuções trabalhistas fundadas em títulos incompatíveis com a nova ordem constitucional interpretativa, sem a necessidade de ajuizamento de ação rescisória.

A rigidez da coisa julgada sempre representou um dos pilares da segurança jurídica no sistema processual brasileiro. No entanto, o avanço do modelo de precedentes vinculantes e a consolidação do controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal vêm transformando o modo como se interpretam os limites da autoridade das decisões judiciais transitadas em julgado.

A questão de ordem resolvida na Ação Rescisória 2876 introduz diretrizes inéditas para a interpretação dos artigos 525 e 535 do Código de Processo Civil, com impactos significativos sobre o processo executivo e rescisório.

Foi na sessão realizada em 23 de abril de 2025, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, com efeitos erga omnes e vinculantes, pela inconstitucionalidade dos §§ 14 do art. 525 e 7º do art. 535 do CPC, e atribuiu interpretação conforme à Constituição aos §§ 15 e 8º dos mesmos artigos, fixando as seguintes teses:  1) Em cada caso, o STF poderá definir os efeitos temporais de seus precedentes vinculantes e sua repercussão sobre a coisa julgada, estabelecendo inclusive a extensão da retroação para fins da ação rescisória ou mesmo o seu não cabimento diante do grave risco de lesão à segurança jurídica ou ao interesse social; 2) Na ausência de manifestação expressa, os efeitos retroativos de eventual rescisão não excederão cinco anos da data do ajuizamento da ação rescisória, a qual deverá ser proposta no prazo decadencial de dois anos contados do trânsito em julgado da decisão do STF; 3) O interessado poderá apresentar a arguição de inexigibilidade do título executivo judicial amparado em norma jurídica ou interpretação jurisdicional considerada inconstitucional pelo STF, seja a decisão do STF anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda, salvo preclusão (Código de Processo Civil, arts. 525, caput, e 535, caput).

 Em termos práticos, o Plenário (i) reputou constitucional o prazo de 2 anos para ajuizamento da ação rescisória de título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional, contado a partir do trânsito em julgado da decisão do Supremo Tribunal Federal (ii) reafirmou a possibilidade de modular os efeitos de suas decisões, especialmente a eficácia temporal; (iii) limitou os efeitos retroativos da rescisão da coisa julgada a cinco anos quando outro prazo não for estipulado e (iv) permitiu que o executado apresente na fase de cumprimento de sentença arguição de inexigibilidade do título, seja a decisão do STF anterior ou posterior ao trânsito em julgado da decisão exequenda. 

O impacto da decisão é sensível no campo trabalhista. São numerosos os processos em fase de execução que têm por base títulos judiciais fundados em interpretações afastadas ou superadas pela Corte Constitucional. 

Com a decisão da AR 2876, abre-se caminho para contestar a inexigibilidade desses títulos diretamente na fase execução, seja por exceção de pré-executividade, seja em embargos à execução, afastando a exigência de ajuizamento de ação rescisória para relativizar a coisa julgada, que passará a ser exigida apenas nas hipóteses em que operada a preclusão no âmbito do cumprimento de sentença (art. 525/CPC e 884/CLT).

Saindo do plano teórico para o prático, o executado pode, por exemplo, suscitar na fase de execução a inexigibilidade de sentença que impôs obrigação relacionada à ilicitude da terceirização de atividade fim (ADPF 324) ou decorrente da nulidade de cláusula de acordos ou convenção coletiva de trabalho (Tema 1046) sem a necessidade de ajuizamento de ação rescisória, ainda que a decisão exequenda tenha transitado em julgado antes da decisão proferida pelo STF, especialmente porque em ambos os casos não houve modulação dos efeitos da decisão para resguardar processos acobertados pelo manto da coisa julgada.

A decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Rescisória 2876 representa um divisor de águas na interpretação da coisa julgada. Fortalece-se o papel dos precedentes vinculantes como mecanismos de coerência e integridade do sistema jurídico, com plena eficácia contra títulos executivos formados sob fundamentos considerados inconstitucionais.

Na seara trabalhista, o impacto é direto, profundo e imediato. A nova diretriz jurisprudencial exige uma reavaliação crítica de execuções fundadas em decisões conflitantes com o atual entendimento do STF. Para a advocacia e a magistratura, impõe-se a responsabilidade de observar e aplicar tais parâmetros, em nome da estabilidade jurídica e do respeito à ordem constitucional vigente.