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    Considerações sobre a lei das bets e sua constitucionalidade: a publicidade comercial e a obrigatoriedade de advertências sobre os malefícios das apostas online

    AUTOR: Lúcia Helena Polleti Bettini

    A presente nota técnica faz breve análise sobre a constitucionalidade da Lei das Bets em razão das duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade propostas perante o Supremo Tribunal Federal. Ademais das ações, entende-se que a atividade das apostas por cotas foi legalizada no Brasil em 2018 e a Lei das Bets publicada em 2023, ampliando os destinos das apostas e arrecadação no Brasil, como exemplo, para a segurança e a educação. Entende-se que a publicidade deve estar fundamentada e orientada para afastar as possíveis vulnerabilidades dos apostadores, com advertências sobre os malefícios e restrições legais, conforme preceitos constitucionais que se somam aos elaborados pelo CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária em anexo X, ou seja, categoria especial de anúncio como meio de proteger as pessoas e as famílias, como forma de implementação de política coorporativa obrigatória voltada para efetividade dos direitos fundamentais e a dignidade humana.

    As ações constitucionais são instrumentais da defesa da Constituição e da efetividade dos direitos fundamentais. Sua utilização vem ao encontro da proteção de diversos preceitos que afirmam a dignidade da pessoa humana, especialmente no estudo, a proteção dos vulneráveis e hipervulneráveis, ou seja, aqueles que o próprio texto normativo superior, a Constituição, estabelece o regime de proteção integral, com absoluta prioridade dos direitos fundamentais.

    Destaca-se na presente nota técnica as crianças, adolescentes e idosos que têm sido alvo e afetados pelos jogos de apostas por cotas, por publicidade comercial que promete ganhos enormes com facilidade mágica e por meio do superestímulo às apostas com influenciadores, sem informar sobre as consequências das mesmas e pelo excesso ou falta de moderação, levando inclusive a perdas muito significativas ou endividamento, sem falar no vício em jogos, no caso, as apostas por cotas.

    As últimas notícias sobre as Bets não têm informado a atuação esperada da “varinha de condão da fada madrinha” que liberta e salva com o ganho de valores expressivos, mas sim apresenta e reforça a figura do endividamento e superendividamento de famílias com prejuízos enormes que se soma a outro fato de alerta muito perigoso que é o vício nas apostas que recebe catalogação internacional de doenças, ou seja, ele é potencializado pelas apostas on-line e envolve as “Bets”.

    Em notícia recente do jornal “O Estado de São Paulo” intitulada “Bets movimentam R$ 100 bilhões e põem em alerta BC, bancos e varejo” informou que o Brasil já é o 3º maior mercado mundial das apostas online o que significa inclusive a retirada de valores destinados ao pagamento de dívidas e do mercado de consumo de bens e produtos essenciais para a vida das pessoas e das famílias, com afetação da saúde das relações familiares.

    Nesse contexto, as discussões sobre a constitucionalidade da Lei das Bets, Lei 14.790/2023, por conta dos efeitos práticos que têm se apresentado muito negativos e contrários ao que levou em 2018 a legalização das apostas por quotas, Lei 13.756/2018, que foi a criação de um fundo para a segurança pública, a criação de política sobre segurança pública, fundos para diminuição da violência contra mulher, valores destinados ao Financiamento do Ensino Superior – FIES e diversos outros direitos sociais como os esportes e a cultura, ficam muito diminuídos e por vezes restam suplantados por inúmeros problemas que também precisam ser cuidados com urgência, no presente estudo, o superendividamento de pessoas e o vício nas apostas.

    Destaca-se, também, o atingimento dos vulneráveis pelas apostas online, seja pelo desconhecimento ou por publicidade comercial, com menos impactos as que utilizam dos espaços comerciais tradicionais, rádio, TV e veículos impressos que informam sobre a legalidade do jogo e destacam que o mesmo é destinado para maiores de 18 anos, ou seja, os capazes para os atos da vida civil, mas o mesmo não ocorre com os meios eletrônicos e a utilização de influenciadores digitais que fazem abertamente o convite para as apostas por cotas e chamam os consumidores para usarem do serviço legalizado com a alegação dos ganhos vultosos, mostrando mansões, iates, viagens entre outros que, na verdade não são destinados aos apostadores, mas sim aos influenciadores e donos dos jogos por apostas.

    Problema maior quando os alvos de tais apostas são pessoas que a própria Constituição entende sujeitos de direitos especiais e afirma o sistema de proteção integral e o dever do cuidado pela família e pelo Estado com absoluta prioridade na efetividade dos direitos fundamentais. Surgem manifestações do Estado por intermédio do exercício de suas três funções com a intenção de evitar os efeitos não pretendidos, mas já descritos, ainda que de forma genérica, por princípios e valores, também na Lei das Bets, que são muito importantes para o Estado brasileiro. O Executivo informa a proibição da utilização do Bolsa Família, o Senado federal por meio de Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI para investigar lavagem de dinheiro e associação de empresas ao crime organizado, e o judiciário pela Corte Constitucional, chamado a limitar as apostas pela propositura de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, a Adi 7721 e Adi 7723, ambas de competência do Supremo Tribunal Federal.

    Ademais da utilização de instrumental da maior relevância na defesa da Constituição, a Ação Direta de Inconstitucionalidade, entende-se que essa questão deva ser tratada primacialmente pelo Governo e pelo Legislativo com a explicitação de preceitos legais existentes e sua aplicação conforme a Constituição no que lhe é essencial, o que inclui fiscalização dos meios eletrônicos nas ofertas promovidas também por influenciadores para que direitos fundamentais e dignidade humanas sejam respeitadas.

    Importante referência constitucional sobre qualquer informação que utilize dos instrumentais veículos de comunicação massiva, Rádio, TV e meios eletrônicos, é o imperativo ético constitucional da radiodifusão, o dever com o caráter preferencial educativo, informativo e em respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Quando se trata de informação que é expressão comercial, os parâmetros são mais rígidos justamente pelo que se objetiva, o lucro. Portanto, a publicidade das apostas on-line deve se sujeitar aos limites constitucionais nos moldes de outros produtos que levam à afetação negativa da saúde das pessoas, como o cigarro e a bebida alcóolica, conforme previsão do Art. 220, §§ 3º e 4º e do Art. 221 da Constituição,Ou seja, a informação deve ser desvinculada de aspectos persuasivos como se faz com outros produtos e serviços, tendo por referência maior o caráter informacional de cunho educativo que deve prevalecer. Portanto, sujeita a restrições legais e, sempre que necessário, como tem se apresentado toda a discussão, advertir sobre os diversos malefícios causados pelas apostas nos mesmos moldes do que já ocorreu nos anos 1996 e seguintes com a publicidade comercial de cigarros e outros produtos fumígenos para a aposta consciente, ou seja, a expressão comercial não pode se sobrepor aos direitos fundamentais, especialmente quando marcado pela proteção integral.

    Estamos diante de bem de consumo ofertado a número indeterminado de pessoas que não informa e apresenta de forma assertiva e ostensiva as possíveis consequências pela sua utilização, ainda que destinado às pessoas que o fazem moderadamente e, na presente nota técnica, aos que têm o vício ou transtorno patológico nas apostas, facilitadas pelo meio online e com publicidade que se omite e não traz esses alertas sobre os danos pela utilização das apostas por cotas, ou, ainda pior, com ofertas de valores para “degustação” do jogo e promessas falsas sobre os ganhos que o mesmo gera. Ademais do Conselho Nacional da Autorregulamentação Publicitária – CONAR, por meio da elaboração de Anexo, X, em categorias especiais de anúncios do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária ter cuidado do tema amplamente, incluindo a responsabilidade pelo cuidado com as crianças, adolescentes e outros que se encontrem no estado de vulnerabilidade, das normas de defesa e proteção do consumidor serem expressas sobre a necessidade de educar o consumidor, parte vulnerável nas relações de consumo, de respeitar os direitos dos mesmos e o dever dos fornecedores de informar sobre os produtos e serviços e incluir expressamente os seus riscos, e, especificamente, pela Lei das Bets nas Políticas Coorporativas obrigatórias.

    Quanto às políticas coorporativas obrigatórias e a competência dada ao Ministério da Fazenda para regulamentação dela, deveria ficar a cargo do legislativo pois, está dentro do núcleo da reserva legal, restando a executividade ao referido ministério. Destaca-se nesse aspecto a vinculação com os princípios fundamentais, em especial, a dignidade humana e sua relação intrínseca com a efetividade dos direitos fundamentais, inafastáveis das discussões sobre o tema. Ainda que não haja menção expressa no elenco dos produtos que a Constituição reconhece os malefícios que as apostas por cotas geram, há referência constitucional sobre a competência legislativa federal que estabeleça as condições adequadas de defesa das pessoas e das famílias, no caso, os meios legais sobre a propaganda de produtos e serviços que as coloquem em risco, em especial, o estado de saúde delas. Pela avalanche de efeitos contrários à Constituição, direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana afrontados que são continuamente informados, entende-se que o mesmo ocorrido com os cigarros deva aqui se repetir e afirmar como dado essencial, de maneira clara e ostensiva sobre os diversos malefícios decorrentes das apostas por cotas, com a possiblidade das mesmas restrições legais aplicadas aos produtos fumígenos, pois estamos diante de proteção de direito fundamental indispensável à dignidade humana. Ou seja, não basta informar sobre a legalidade do jogo e sua destinação aos maiores de 18 anos, deve chamar atenção às possíveis e constantes consequências patológicas do mesmo e não iludir sobre os ganhos excessivos com a prática exagerada e irresponsável. A expressão comercial, ademais de direito constitucional, não pode se sobrepor aos direitos fundamentais pois eles compõem o núcleo material constitucional essencial, ou seja, são razão da existência das Constituições e das democracias e indispensáveis à manutenção da dignidade humana.

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