Desafios da concorrência na abertura domercado livre de energia elétrica
Autores: Lucas Lopes de Freitas da Silva, Marcio Miguel Granhani Junior e Thiago Carvalho Fonseca
O resultado é claro e categórico: empresas que aderem ao novo modelo saem na frente de competidores que mantêm os custos mais altos do mercado cativo.
A abertura do mercado livre de energia elétrica para uma gama maior de consumidores altera significativamente o modelo de compra e venda no Brasil. Diferente do mercado cativo, em que os consumidores regulados são atendidos pelas distribuidoras locais – e, por conseguinte, não possuem qualquer gerenciamento sobre a aquisição de energia – o mercado livre permite que escolham seus fornecedores com base em suas necessidades, negociando tanto o preço quanto os períodos de fornecimento. Também há a opção de atuarem por meio de um comercializador varejista, ou simplesmente, “representante”, que atua na representação contínua de um consumidor livre ou empresa geradora de energia elétrica, dentro do Ambiente de Contratação Livre.
No mercado livre, consumidores especiais podem negociar contratos diretamente com empresas, como geradores e comercializadoras de energia, estabelecendo condições que melhor atendam suas demandas, como a escolha de fontes mais sustentáveis. O foco está no consumidor, mas o ambiente de negócios é mais amplo, com destaque para o desenvolvimento de uma atividade financeira crescente em torno da comercialização de energia elétrica.
Contudo, o modelo atual do ambiente de contratação livre foi estruturado para grandes consumidores. Assim, as discussões se concentram no redesenho estrutural necessário para acomodar a entrada de consumidores menores e em como garantir segurança nas relações comerciais e em todo o setor, tanto no aspecto operacional, quanto nos impactos financeiros do novo modelo.
Sobre isso, o principal desafio regulatório envolve equilibrar a liberdade econômica com a fiscalização necessária em um setor estratégico, que lida com um insumo essencial: a energia elétrica.
A liberdade de negociação no mercado livre é acompanhada de obrigações regulatórias, o que não deve ser esquecido pelas autoridades e pelos novos entrantes. O descumprimento dessas obrigações, além de poder resultar em penalidades, pode ter consequências para as liquidações financeiras, devido à multilateralidade das relações no mercado, afetando outros agentes em um efeito cascata. Portanto, a transição do consumidor cativo para o mercado livre é essencial para a agenda de transição energética, com impactos econômicos diretos no setor, ao promover a competitividade entre fornecedores, incentivando inovação e eficiência. Para isso, as autoridades – em especial a CCEE e a ANEEL – precisam assegurar o equilíbrio entre segurança e livre concorrência.
A competitividade no mercado livre pode ser observada em dois níveis. O primeiro é interno, dentro do próprio setor de energia elétrica. As mudanças regulatórias que flexibilizam a adesão ao mercado livre trazem mais agentes para o setor, o que inevitavelmente acaba alterando o perfil de consumo e de consumidores. Geradoras, distribuidoras e comercializadoras precisam inovar e aprimorar seus modelos de negócios para se adaptarem a essa nova realidade e à concorrência ampliada.
O segundo nível de competitividade é indireto, afetando outros setores econômicos brasileiros. À medida que os grandes consumidores migram para o mercado livre e reduzem seus custos com energia, ganham vantagem competitiva em seus respectivos setores. Essa liberdade de escolha, que pode ser convertida em fornecimento mais barato, é um dos principais fatores de crescimento do mercado de energia e de outras áreas da economia.
O resultado é claro e categórico: empresas que aderem ao novo modelo saem na frente de competidores que mantêm os custos mais altos do mercado cativo.
A alteração regulatória já apresenta efeitos práticos. Entre janeiro e abril de 2024, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) concluiu a migração de 7 mil novos consumidores para o mercado livre, número que representa 97% do total de migrações de todo o ano de 2023. Dos 7.152 consumidores que entraram no segmento nesse período, mais de 70% têm carga inferior a 0,5 megawatts médios e são representados por um comercializador varejista, que assume as obrigações regulatórias em nome do consumidor.
Atualmente, o mercado livre representa aproximadamente 37% do consumo total de energia elétrica no Brasil, e as projeções indicam um crescimento contínuo. Segundo a ANEEL, cerca de 21 mil consumidores já informaram às distribuidoras seu desejo de migrar para o mercado livre em 2024, além de 679 pedidos previstos para 2025. Esses dados sugerem que, em breve, esse perfil de consumidor deixará de ser uma tendência e se tornará a norma no mercado.
Nesse contexto, medidas de conscientização e capacitação desses novos agentes são essenciais para assegurar um equilíbrio entre o crescimento econômico descentralizado, a livre concorrência, a inovação e a segurança jurídica e energética. O ambiente competitivo também gera benefícios em termos de valores jurídicos relevantes, como a promoção de energia renovável. Geradoras de energia verde podem oferecer produtos atrativos para consumidores preocupados com o equilíbrio ecológico, impulsionando investimentos em tecnologias limpas e expandindo a geração a partir de fontes renováveis. Esse movimento contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa, em consonância com as metas globais de sustentabilidade e mitigação das mudanças climáticas.
Todos esses ganhos potenciais dependem da habilidade das autoridades e das organizações responsáveis em equilibrar todas estas demandas do mercado e da sociedade, por segurança jurídica e eficiência econômica e energética.