Entrevista de Roberta Toledo para a InfoMoney.
Deixar o inventário para depois pode sair caro. Veja como resolver a partilha e evitar multas e dor de cabeça no futuro
Depois que os pais falecem, muitas famílias acabam deixando para depois o inventário para venda de imóvel.
Os herdeiros seguem morando no bem ou cuidando dele e, com o tempo, a regularização fica ainda mais distante. Geralmente, o tema só volta à pauta quando alguém decide vender e pergunta sobre o prazo e custos da partilha.
Mas isso não é um problema. Como diz Isabela Gregório, do EFCAN Advogados, “o inventário pode ser feito a qualquer tempo, ainda que o falecimento tenha ocorrido há muitos anos”.
Já Roberta Paganini Toledo, do Tortoro, Madureira e Ragazzi, alerta que “para transmitir os bens dos pais aos filhos, é indispensável realizar o inventário, judicial ou em cartório, conforme o caso.”
Para esclarecer as dúvidas mais comuns de quem está nessa situação, o InfoMoney conversou com as duas especialistas e reuniu, a seguir, as principais perguntas e respostas sobre inventário e venda de imóvel na herança.
Como abrir inventário depois de anos?
Abrir o inventário é o primeiro passo para regularizar o bem e viabilizar a venda. Esse procedimento pode ser judicial ou extrajudicial (em cartório).
Isabela Gregório resume: “Em regra, o inventário extrajudicial é a forma mais prática de concluir a sucessão, e ele vale quando todos os herdeiros são maiores, capazes e concordam com a partilha”.
Caso contrário, ou se houver testamento, o caminho passa a ser judicial. Nessas situações, lembra Roberta Toledo, “o juiz resolve conflitos e pode autorizar vendas necessárias de bens do espólio.”https://www.infomoney.com.br/web-stories/heranca-desvendada-aprenda-como-planejar-sua-sucessao/
Todo inventário precisa de advogado?
Sim, seja ele feito na esfera judicial ou extrajudicial.
“É uma exigência legal. O advogado garante que o processo seja conduzido corretamente, evitando prejuízos futuros aos herdeiros”, diz Isabela Gregório.
Se houver consenso, um único advogado pode representar todos os herdeiros envolvidos na partilha.
Quais os documentos necessários para o inventário?
De forma geral, a documentação mais comum para abertura do processo costuma ser:
- certidão de óbito do falecido;
- RG, CPF e certidões dos herdeiros (nascimento ou casamento com averbação de divórcio, se houver);
- comprovante de endereço;
- certidão negativa de testamento;
- matrícula atualizada do imóvel (últimos 30 dias) e IPTU;
- extratos bancários e quotas de empresas;
- declaração e guia do ITCMD;
- certidões fiscais e negativas de débitos.
Roberta Toledo explica que esses documentos comprovam quem são as partes e a situação patrimonial. “Sem isso, o inventário não anda”, reforça.
Quanto custa e quanto tempo leva para fazer um inventário?
O principal custo do processo é o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), o famoso “imposto sobre herança”.
Além do ITCMD, existem as custas cartorárias ou judiciais, que variam conforme a tabela de cada estado, e os honorários advocatícios, definidos conforme a complexidade do processo.
Quanto ao tempo, o inventário extrajudicial costuma levar de um a três meses, desde que a documentação esteja completa e todos os herdeiros concordem com a partilha. Já o formato judicial pode se estender de seis meses a alguns anos, dependendo do número de herdeiros , da existência de conflitos e do volume de bens a partilhar.
“Com papelada completa e acordo, o cartório flui muito mais rápido”, afirma Isabela Gregório.
Qual o prazo para abrir o inventário e o que acontece se ele atrasar?
O prazo que a lei prevê para abertura do inventário é de até dois meses depois do falecimento. Embora isso nem sempre aconteça na prática, o atraso não impede a realização do processo, apenas gera multa sobre o valor do imposto devido, diz Isabela Gregório.
“Essa penalidade incide somente sobre o ITCMD, o tributo estadual cobrado na transmissão da herança, e não sobre o valor do imóvel.”
A advogada cita o exemplo de São Paulo, onde a multa é de 10% quando o inventário é aberto após 60 dias e chega a 20% se ultrapassar 180 dias, além de juros e correção.
Casos excepcionais podem ter tratamento diferente, observa Roberta Toledo. “A dispensa da multa é algo muito raro, e geralmente ocorre apenas em situações comprovadas, como uma internação hospitalar prolongada”, explica.
Quais as consequências de não fazer o inventário?
Deixar o inventário para depois acaba trazendo uma série de complicações ao longo do tempo, que podem impedir a venda, o financiamento e até o registro de novos documentos.
“Sem inventário, o bem permanece preso ao espólio e não pode ser transferido legalmente”, alerta Isabela Gregório.
Além disso, a falta de regularização pode criar um efeito em cadeia dentro da própria família.
“Se outro herdeiro falecer antes da conclusão do inventário, será necessário abrir novos processos, o que aumenta custos e tempo de tramitação”, diz Roberta Toledo.
Em resumo, quanto mais o inventário demora, mais difícil e caro tende a ficar o processo de regularização. E as chances de vender o imóvel com segurança jurídica também ficam mais distantes.
E se um dos herdeiros não concordar com o inventário para venda do imóvel?
Nem sempre há consenso em um inventário, e basta um dos herdeiros discordar para que o processo mude totalmente de rumo.
“O inventário em cartório só é possível quando há concordância total entre os herdeiros. Se houver discordância sobre valores, partilha ou venda, o procedimento precisa ir à Justiça”, reforça Roberta Toledo.
Nessas situações, complementa Isabela Gregório, o juiz cita o herdeiro discordante para que possa manifestar sua versão dos fatos, garantindo que todos os envolvidos tenham o mesmo direito de defesa.
Posso vender os bens durante o inventário?
Sim, mas somente com autorização judicial e em casos específicos, como para quitação de dívidas, impostos ou custas processuais, explica Isabela Gregório.
Nessas situações, o dinheiro da venda não vai direto para os herdeiros. Em vez disso, ele fica depositado sob controle da Justiça, até que o processo de partilha chegue ao fim.
Precisa fazer inventário se tiver só um bem na partilha?
Mesmo que os pais falecidos tenham deixado somente um imóvel, o inventário continua sendo obrigatório.
Se depois da conclusão outros bens forem descobertos, será preciso fazer uma sobrepartilha, que funciona como um complemento do inventário, diz Isabela Gregório. Esse procedimento adicional também pode ocorrer via judicial ou extrajudicial, seguindo os mesmos critérios de capacidade e concordância entre os herdeiros do inventário original.
O que acontece no caso de herdeiro ausente ou falecido?
Quando um herdeiro não é encontrado, o inventário precisa obrigatoriamente seguir pela via judicial.
Nesses casos, o juiz nomeia um curador especial, geralmente um defensor público ou advogado indicado, que representará o herdeiro ausente durante todo o processo, para que o inventário continue normalmente.
Já quando um dos filhos do herdeiro também faleceu, a sucessão ocorre por representação, ou seja, os filhos, cônjuge ou descendentes diretos passam a ocupar o lugar dele na partilha. Em ambos os casos, o objetivo da lei é garantir que ninguém perca seu direito à herança, mesmo que não possa participar diretamente da partilha.
Depois de feito o inventário, como vender o imóvel?
Quando o processo chega ao fim, o primeiro passo é transferir oficialmente a propriedade do bem para os herdeiros. Isso é feito levando o formal de partilha (no caso judicial) ou a escritura pública de partilha (no extrajudicial) ao Cartório de Registro de Imóveis.
“Somente depois desse registro é que os herdeiros podem vender, doar ou dispor livremente do imóvel”, explica Isabela Gregório.
Na hora da venda, é importante entender quais impostos estão envolvidos. O ITCMD, pago durante o inventário, é um deles, e alguns estados dão a opção de parcelamento (mas a finalização do inventário é só no pagamento total). Já o ITBI, de cobrança municipal, incide no momento da transferência do bem ao comprador.
Por fim, pode haver Imposto de Renda sobre ganho de capital, exceto em algumas situações, alerta Isabela:
“Há isenção do IR quando o imóvel é o único bem residencial ou quando o valor é reinvestido em outro imóvel dentro do prazo legal de 180 dias”, lembra a advogada.
O que acontece se vender o imóvel sem inventário?
Embora essa seja uma prática bastante comum, a venda de um imóvel sem inventário não tem validade legal. Enquanto o bem estiver em nome do falecido, não há como formalizar qualquer transferência no cartório, mesmo que exista o famoso “contrato de gaveta” entre as partes.
Esse tipo de acordo, explica Roberta Toledo, “apenas demonstra a intenção de compra e venda, mas não transfere propriedade. Isso só acontece com o registro do título no Cartório de Imóveis.”
Principais riscos:
- Impossibilidade de registrar a venda
- Nulidade do negócio
- Disputas judiciais e fraudes
- Perda do imóvel em ações
- Custos e impostos retroativos
- Dificuldade de financiamento ou revenda
“Parece um atalho, mas vira dor de cabeça no futuro”, resume Isabela Gregório.
Regularizar é o melhor caminho
Regularizar o inventário é o passo que garante segurança jurídica e evita prejuízos, tanto para os herdeiros quanto para quem compra o imóvel.
Por outro lado, deixar de fazer o processo, além de ilegal, pode comprometer todo o negócio e levar anos para que tudo se resolva.
Por isso, antes de vender o imóvel herdado:
- Mapeie herdeiros e bens (inclusive contas e dívidas).
- Escolha a via: cartório (acordo) ou Justiça (conflito/testamento).
- Contrate advogado.
- Reúna documentos (óbito, pessoais, certidões, matrícula, extratos, ITCMD).
- Acerte o ITCMD e verifique possibilidade de parcelamento.
- Registre a partilha no Cartório de Imóveis.
- Venda regularizada: calcule ITBI e IR, avaliando isenções.
Veja a seguir um resumo dos principais pontos que todo herdeiro precisa conhecer antes de vender um imóvel de herança:
| Situação | O que dizem as especialistas |
|---|---|
| Dá para fazer depois de anos? | Sim. “O inventário pode ser feito a qualquer tempo.” (Isabela) |
| Prazo e multa | O ideal é abrir em até 2 meses. O atraso gera multa apenas sobre o ITCMD (em SP, 10% após 60 dias e 20% após 180 dias). |
| Cartório ou Justiça? | Cartório se todos os herdeiros forem maiores, capazes e estiverem de acordo. Justiça, se houver menores, testamento ou conflito. |
| Advogado | Obrigatório em qualquer modalidade — inclusive em cartório. |
| Documentos necessários | Certidão de óbito, documentos pessoais, certidões, matrícula atualizada, IPTU, extratos, guia do ITCMD e certidões negativas. |
| Custos e prazos | ITCMD (4% em SP) + custas e honorários. De 1 a 3 meses no cartório e de 6 meses a alguns anos na Justiça. |
| Venda durante o inventário | Só com autorização judicial (alvará). O valor fica depositado no processo até a partilha. |
| Venda sem inventário | O negócio é nulo. “O contrato de gaveta não transfere propriedade.” (Roberta) |
| Após a partilha | Registrar no Cartório de Imóveis e só então vender. Avaliar ITBI (comprador) e IR (pode haver isenção). |
Link: Pais falecidos há anos: ainda dá para fazer o inventário e vender o imóvel?