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    Nova Lei de Licitações e o Direito Administrativo Sancionador

    A entrada em vigor da Lei 14.133/2021, nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, norma geral sobre o tema, de alcance nacional, afirmou diversos deveres e obrigações a todos os entes da federação e a quem com estes contratar.

    Apesar da intenção legislativa de atualização, aprimoramento e inovação, não afastou, em definitivo, algumas dificuldades que remanesceram, destaque-se no presente artigo, no âmbito das discussões sobre ofensa às bases constitucionais do Direito Administrativo Sancionador, ou seja, os parâmetros para as decisões que envolvam a realização de condutas proibidas ao particular, sejam estas previstas em tipos penais ou não.

    A existência de um sistema constitucional sobre licitações e contratos administrativos e nova lei infraconstitucional, ainda que para alguns municípios tivessem vacatio legis diferida em algumas obrigações, o mesmo já se integralizou, e o respeito à norma geral em estudo e à fundamentação constitucional se impõe e se apresenta como imperativo para a interpretação conforme a Constituição.

    A inserção e fundamentação em parâmetros constitucionais, sejam eles princípios da administração pública ou a imantação aos princípios constitucionais fundamentais, deve ser evidenciada em toda discussão que afete as licitações e contratações públicas, ou seja, orienta a atividade do intérprete que não pode prescindir de tal embasamento que se apresenta inafastável, pois lhe confere constitucionalidade, legalidade e legitimidade democrática.

    O mesmo se dá quando o tema diz respeito ao Direito Administrativo Sancionatório, também integrante do mesmo sistema que deriva da Constituição, portanto não deve ser diferente das discussões que foram enunciadas e postas com o novo regramento sobre licitações e contratos administrativos, entre elas, a ampliação de condutas puníveis em razão em lei especial, bem como a manutenção de condutas que vêm descritas na nova lei de forma vaga ou genérica e repetem problemas já existentes, como por exemplo, conduta inidônea.

    A opção do legislador infraconstitucional quanto à descrição de figuras típicas penais na própria lei, tal como ocorria na Lei 8.666/1993, não foi repetida, pois as mesmas passam a integrar o Código Penal a partir da publicação da Lei 14.133/2021. Outra importante alteração foi a supressão da sanção administrativa de suspensão do elenco de sanções, pois a atual lei passou a prescrever de maneira expressa, como punições, a advertência, a multa, o impedimento de licitar e contratar e declaração de inidoneidade.

    Influência da Lindb

    Desde 2018 houve significativa modificação na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro  (Lindb), Decreto-Lei 4.657/1942, com a intencionalidade expressa de cuidar da segurança jurídica e da eficiência da aplicação das normas do direito público e consequente controle, interno e externo. Algumas normas já existentes foram reforçadas na Lindb, em especial a afirmação de que toda decisão administrativa deve ser orientada e fundamentada por valores jurídicos reconhecidos e verificáveis no plano prático, o que afetou também a esfera administrativa.

    Dificuldade que se apresenta com o novo regime jurídico das Licitações e Contratos Administrativos deriva da própria Lei 14.133/2021, norma geral de licitações e contratações administrativas, e diz respeito à previsão que afeta contratações realizadas por municípios, especialmente os que têm menos de 10 mil habitantes, como exemplo, o estímulo às contratações conjuntas na área da saúde.

    Reconhece-se na nova Lei de Licitações e Contratos a influência da Lindb no que diz respeito à segurança jurídica e à eficiência pois, no plano concreto tais contratações como na citação anterior, geram a redução dos custos operacionais das licitações e possibilitam a muitos municípios a eficiência ou resultado concreto na prestação do serviço de saúde o que não seria possível no plano individual.

    Interessante observar que, durante a vacatio legis ampliada aos municípios, a própria lei conferiu a possibilidade de utilização dos regulamentos adotados pela União aos demais entes federados, mas a importância dos regulamentos específicos deriva em especial para a adequação à regionalidade e localidade típicas de cada estado e municipalidade respectivamente, que vão ao encontro da descentralização política vigente, mas devem sempre o respeito ao descrito na norma geral.

    Os conflitos e discussões continuam, pois, seja durante o período que norma expressa afirmou a manutenção da Lei 8.666/1993 nos contratos por ela regidos ou após o termo período de vacatio, a nova lei, Lei 14.133/2021, revogou figuras penais típicas e afastou a sanção de suspensão como já informado e devemos, com isso, enfrentar situações de tensão que envolvam o Direito Administrativo Sancionatório.

    Da mesma maneira que se interpreta casos conflituosos que envolvem o Direito Penal, ou seja, respeito à tipicidade e aplicação da lei que beneficia os que incidiram em comportamentos típicos penais, conforme previsão expressa no elenco dos direitos e garantias fundamentais, são esses os mesmos mandamentos que devem orientar o direito administrativo sancionatório.

    A finalidade precípua das sanções administrativas é fazer com que os particulares realizem as obrigações contratualmente assumidas, sempre no interesse público e no atendimento das necessidades públicas, portanto, o conhecimento dos comportamentos esperados ou não, como o da sanção aplicada ao ilícito, devem vir marcados pela previsibilidade que decorre da segurança jurídica, da razoabilidade e proporcionalidade, o que vem ratificado pela nova Lei de Licitações e Contratos e Lindb, que geram consequências práticas inafastáveis.

    Ao lado das justificativas detalhadas e orientadas por tais princípios, a previsão expressa editalícia da possibilidade de aplicação da sanção mais gravosa, contraria tanto leis infraconstitucionais como todo o embasamento constitucional.

    Importante julgamento de agravo interno em recurso especial, da relatoria da ministra Regina Helena Costa, Agravo Interno no Recurso Especial nº 2.024.133 – ES (2022/0017170-7), ratifica o que advogamos, no sentido de haver retroatividade mais benéfica da lei que traz a aplicação de sanção menos gravosa, ou seja, a sanção de menor gravidade deve retroagir, nos termos prescritos pelo elenco dos direitos e garantias fundamentais, artigo 5º, inciso XL da Constituição de 1988, conforme entendimento da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

    É o entendimento que melhor se adequa à vontade de Constituição, que prescreve, de maneira expressa, a efetividade dos direitos fundamentais e consequente condição democrática de direito. Estamos diante de mais uma situação concreta, na qual a constitucionalização do Direito Administrativo é um imperativo a ser respeitado, no caso em estudo, também no Direito Administrativo Sancionatório.

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