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    Covid-19 e os reflexos nos contratos do mercado livre de energia

    Thiago Carvalho Fonseca, advogado da área de energia do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados

    A Covid-19 trará mudanças significativas para a sociedade brasileira, impactando a forma de encararmos as relações pessoais, comerciais e industriais e com as atividades reguladas não poderia ser diferente. Ante as prováveis consequências da pandemia no setor de energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) já apresentou um conjunto de propostas, a serem avaliadas no curto e médio prazo, com o objetivo de mitigar os eventuais reflexos nos segmentos de distribuição, transmissão e geração de energia elétrica.

    Contudo, a margem dessas possíveis medidas regulatórias, evidenciamos algumas discussões relacionadas à comercialização no Ambiente de Contratação Livre, considerando a redução significativa no consumo de energia dos clientes com grande demanda (livres e especiais), com a adoção do isolamento social pelos governos estaduais, além da retração nos preços dos contratos de longo prazo.

    De uma maneira sucinta, a título de esclarecimento, o Ambiente de Contratação Livre (ACL) é o segmento do mercado de energia elétrica em que se realizam as operações de compra e venda, por meio de contratos livremente negociados.

    Ou seja, as partes integrantes do ACL tem autonomia para decidir seus contratos, gerenciando os riscos futuros e financeiros de uma possível variação de preço, mediante um acordo dos valores, volumes de energia e período de suprimento. Assim, com as devidas adaptações, trata-se de uma modalidade de contrato financeiro (de “hedge”), com previsão da lógica consuma o valor mínimo ou pague (“take or pay”).

    Nesse contexto em que existe a assunção de direitos e obrigações entre as partes envolvidas (compradora e vendedora), surge o questionamento: a pandemia decorrente da Covid-19 seria caracterizada como caso fortuito ou de força maior, a justificar a modificação ou a própria rescisão dos contratos então formalizados no mercado livre de energia?

    Com efeito, seguindo a interpretação do artigo 393 do Código Civil, a doutrina especializada esclarece que, para a caracterização de determinado evento como mencionado acima, o fato tem de ser imprevisível, estranho à vontade das partes e inevitável, que torne impossível a execução do acordo, não sendo suficiente que crie dificuldade ou onerosidade para o devedor.

    Diante do disposto, é incontestável a imprevisibilidade e inevitabilidade da pandemia que estamos vivenciando. Não obstante, deve-se ter em mente que o risco da atividade é intrínseco aos negócios celebrados no Ambiente de Contratação Livre de energia.

    Isso porque o comprador que adquire previamente determinada posição contratual (preço certo e determinado) estará “protegido” contra os contratempos e as oscilações futuras do Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), que é o valor de mercado e de referência da energia. Por outro lado, o vendedor assume esses ônus (valorização ou desvalorização do PLD, face ao valor do contrato).

    Sendo assim, em uma primeira análise, ante as áleas e os riscos próprios do negócio, não há como privilegiar o prejuízo de uma das partes em detrimento da outra, na medida em que ambos são impactados pelo cenário atual.

    Por esses motivos, é possível concluir que a eventual flexibilização dos contratos então formalizados no Ambiente de Contratação Livre deverá ser sopesada com as suas próprias cláusulas contratuais, com o histórico das tratativas e a realidade comercial e financeira das partes. Afinal, mesmo diante da pandemia, para justificar o pedido de modificação ou de rescisão do contrato, deverá existir uma manifesta posição de inferioridade de um dos envolvidos e a comprovação de prejuízo extraordinário e inevitável, que torne impossível a execução da obrigação.

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