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    Sobre o responsável pelo IPTU na alienação fiduciária de imóvel

    28 de março de 2021, por Amanda de Souza Theodoro

    O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é um tributo municipal cobrado anualmente dos proprietários e possuidores de bens imóveis que, a princípio, não gera dúvidas sobre quem são os legítimos contribuintes. Entretanto, em se tratando de imóveis financiados, a questão ganha novos contornos e tem gerado discussão no Poder Judiciário.

    Isso porque, usualmente, os financiamentos de imóveis têm sido garantidos por alienação fiduciária, que se trata de uma modalidade de garantia na qual o comprador adquire a posse direta do bem, enquanto a instituição financeira financiadora guarda para si a posse indireta e a propriedade resolúvel do imóvel.

    Considerando que o IPTU tem como responsável pelo pagamento o proprietário ou possuidor de bem imóvel, conforme o artigo 34 do Código Tributário Nacional, alguns municípios têm endereçado as cobranças desse tributo não apenas àquele que detém a posse direta sobre o imóvel, mas também à instituição financeira financiadora, na qualidade de proprietária fiduciária e possuidora indireta.

    Tradicionalmente, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo era que o credor fiduciário não é responsável pelo IPTU, pois a propriedade resolúvel existe apenas para o fim de garantia, inexistindo os direitos de usar, gozar e dispor do bem, inerentes ao direito de propriedade, bem como porque a posse indireta não tem por objetivo a aquisição da propriedade e, portanto, não existe o chamado animus domini, isto é, a intenção de possuir/ser dono e, por fim, porque artigo 27, §8º, da Lei nº 9.514/97, dispõe que o devedor fiduciante arcará com os impostos até a imissão do credor fiduciário na posse do bem, após a consolidação da propriedade resultante do inadimplemento do financiamento.

    Entretanto, atualmente, o referido tribunal vem decidindo de maneira oscilante quanto a esse tema. Em julgamentos recentes no mês de fevereiro, o TJ-SP condenou instituições financeiras ao pagamento do IPTU, sob o fundamento de que a credora fiduciária seria a proprietária do imóvel, bem como que o artigo 27, §8º, da Lei 9.514/97 faria lei apenas entre os contratantes e, portanto, não se opõe ao Fisco¹.

    Consequentemente, a oneração dos credores fiduciários em razão da obrigação fiscal reconhecida pela Justiça poderá impactar no custo do crédito envolvido nas operações de financiamento imobiliário e atingir o consumidor final, o que pode ser temerário frente ao cenário de grave instabilidade econômica vivida no país.

    Isso porque, além do custo imediato decorrente das verbas despendidas para o pagamento do tributo, nos casos em que o devedor fiduciante e nem a instituição financiadora realizarem o pagamento, haverá a inscrição do débito em dívida ativa no CNPJ da instituição que, por conseguinte, será impedida de se habilitar em licitações, dado que a regularidade fiscal é um dos requisitos legais, impactando negativamente na receita da instituição.
    De outro lado, o débito também motiva o ajuizamento de ações judiciais nas quais é possível a decretação da penhora do imóvel, dado que o IPTU é uma obrigação classificada como propter rem, ou seja, recai sobre a coisa em si e, por conta disso, o credor fiduciário suporta também o risco de desconstituição de sua garantia, o que, novamente, justifica o incremento do custo total das operações.

    Nesse tema, o Superior Tribunal de Justiça teceu considerações no Informativo de Jurisprudência nº 638 (REsp 1.731.735-SP) apontando que o interesse do titular de crédito gerado pelo bem, como é o caso do débito condominial e do IPTU, fica contrastado com o interesse do credor fiduciário, que tem a pretensão de manutenção da garantia.

    A solução sugerida no informativo é a de que o credor fiduciário será responsável pelo pagamento das obrigações propter rem apenas após a consolidação da propriedade e, portanto, a penhora poderá recair sobre os direitos aquisitivos do devedor fiduciante, e não sobre o bem em si, mantendo-se a garantia do credor fiduciário integralmente.

    Desse modo, tal solução pode ser adotada também quando se trata de obrigação de pagamento de IPTU, reconhecendo-se a responsabilidade do credor apenas após a consolidação da propriedade, na contramão das recentes decisões do Tribunal de Justiça paulista mencionadas e reafirmando o entendimento tradicional.

    Nesse cenário, observa-se que, caso as decisões conflitantes do tribunal sejam reproduzidas em julgamentos futuros, poderão ser as precursoras de uma profunda instabilidade jurídica com consequências no mercado potencialmente prejudiciais aos adquirentes de imóveis financiados.

    ¹ AI 2225247-67.2020.8.26.0000 (03/02/2021), AI2182667-22.2020.8.26.0000 (04/02/2021), AI 2290264-50.2020.8.26.0000 (12/02/2021) e AI 2179989-34.2020.8.26.0000 (16/02/2021).

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