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    Aneel e as boas práticas regulatórias da OCDE

    02 de Julho de 2021, por Thiago Carvalho Fonseca, advogado da área de energia do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados

    Não é novidade que, progredindo anos de estudos, discussões e contribuições administrativas, foi publicada a Resolução Normativa de nº 846, de 11 de junho de 2019, que aprovou os “novos” procedimentos, parâmetros e critérios para a imposição de penalidades aos agentes do setor de energia elétrica, bem como dispôs sobre as diretrizes gerais da fiscalização da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.

    Estabelecendo uma análise lógica e sistemática da supracitada Resolução, conclui-se que não se trata, apenas e tão somente, da consignação de um novo rito processual a ser observado pelo regulador e pelos agentes regulados.

    Pelo contrário. Esse novo regramento consolida a própria forma de atuação do regulador, que buscará, na prevenção de condutas violadoras da lei, dos regulamentos e dos contratos, à educação e orientação dos agentes do setor de energia elétrica, sempre que possível, em detrimento da antiga ideia do processo administrativo essencialmente punitivo.

    Para tanto, além de preservar (ou não “contrariar” expressamente) os princípios de ordem constitucional e infraconstitucional, a exemplo da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do contraditório e da ampla defesa, entre outros, observa-se a incorporação de boas práticas regulatórias convalidadas pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE, com o destaque à regulação responsiva. Inclusive, entende-se que, por esse motivo, conforme restou recentemente veiculado na mídia especializada, a ANEEL está próxima de se tornar uma agência reguladora de referência mundial, nos parâmetros da OCDE.

    Pois bem. Pelo princípio da regulação responsiva, busca-se uma atuação mais específica e segmentada do regulador no processo de fiscalização, sendo que o próprio comportamento do regulado deverá ser avaliado e ponderado nas decisões da agência. Explica-se.

    As eventuais não conformidades legais e regulatórias não serão tratadas da mesma forma e os regulados de uma maneira única e objetiva. Com as devidas proporções, trata-se de uma variante do princípio da isonomia, em que se busca assegurar às pessoas oportunidades iguais, considerando suas condições diferentes (critério subjetivo).

    Portanto, quando restar evidenciando que o regulado buscou fazer o certo na persecução de sua atividade, a atuação da ANEEL será necessariamente mais simplificada e menos onerosa para ambas as partes, a exemplo da elaboração de recursos/tutoriais para esclarecimento de dúvidas. Por outro lado, na hipótese em que há uma não conformidade e prevalece o comportamento deliberado e não cooperativo do agente, a agência atuará de forma contundente, valendo-se de medidas coercitivas, como as multas, a revogação de autorização ou até mesmo da declaração de caducidade da concessão ou da permissão.

    Entre os extremos acima exemplificados (a regra, agentes que anseiam à adequação regulatória x a exceção, os agentes predispostos, deliberadamente, ao não cumprimento regulatório), tem-se o escalonamento de algumas diretrizes comportamentais dos agentes e da própria ANEEL, que influenciará na forma de atuação no processo de fiscalização e nos parâmetros e critérios para fixação do valor da multa, se o caso.

    Outros princípios de boas práticas regulatórias da OCDE também foram incorporados, como a execução baseada em evidência, a seletividade, a promoção de conformidade, a integração de informação e do foco no risco e da proporcionalidade. Sem prejuízo de suas especificidades, de uma forma ampla, prevalece essa ideia de estabelecer uma atuação mais estratégica, otimizada e seletiva da ANEEL. Afinal, a assiduidade de inspeções e os recursos empregados devem ser proporcionais ao nível do risco do regulado.

    Todas essas prerrogativas, assim como as demais de ordem constitucional e infraconstitucional, contribuem para uma fiscalização/processo administrativo mais justo e efetivo no âmbito do regulador.

    Contudo, trata-se de uma via de mão dupla, na medida em que, ao mesmo tempo que estabelece direitos e obrigações aos regulados, impõe ao regulador a sua forma de atuação, sendo esta essencialmente ativa e orientativa, sob pena de deslegitimar o próprio ato administrativo, tornando-o nulo em sua essência, o que notoriamente é passível de controle de legalidade.

    Nesse ponto, a título meramente ilustrativo sobre os limites da atuação punitiva da ANEEL, recorda-se o estabelecimento de obrigação de fazer ou de não fazer como modalidade de penalidade no âmbito da Resolução Normativa de nº 846/2019, a despeito dessa cominação não constar no rol taxativo previsto na sua lei de instituição, bem como no subsequente decreto regulamentar.

    De todo modo, no presente, não se pretende aprofundar nesse embate acerca da extensão do poder normativo conferido às agências reguladoras, face a submissão cerrada ou não ao princípio da legalidade. Entretanto, anseia-se alertar sobre esses limites na atuação do regulador, que, agora, deverá ser conformada não só pela ordem constitucional e legal vigentes, mas, também, pelas boas práticas regulatórias da OCDE, notadamente quando se trata do exercício do poder de polícia na restrição aos direitos dos regulados.

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