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    Sociedade de risco e sustentabilidade: de Ulrich Beck à contemporânea crise ambiental, de consumo e a importância da inovação tecnológica

    Arnaldo Rodrigues Neto

    Lucas de Souza Lehfeld

    RESUMO: objetiva-se realizar uma abordagem crítica da obra “Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade” de Ulrich Beck em perspectiva das suas lições para a contemporânea crise socioambiental e a inovação tecnológica como instrumento da busca pela sustentabilidade. A partir da Teoria do Risco, do modelo capitalista e as suas consequências como a crise ambiental e de consumo, mesmo após anos de desenvolvimento socioeconômico e na seara da ciência, as questões tratadas por Ulrich Beck apresentam-se hodiernas e que demandam soluções como inovação tecnológica, voltada para a sustentabilidade e de consciência ambiental.

    Introdução

    Num contexto social onde a preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade são precípuas dadas as consequências nefastas arcadas pela sociedade em sua totalidade em decorrência da degradação do meio ambiente e da ação desmesurada e mortificante de seus recursos, trazer os apontamentos dessa preciosa obra nos permite traçar um paralelo cronológico entre o momento da sua publicação (ano de 1986) e os atuais desafios da sociedade moderna no viés ambiental, com também a importância do papel ocupado pela inovação.

    Como consequência de uma sociedade adoentada e míope, ao passo que, mesmo após o transcurso de quase 35 anos desde a publicação do livro “Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade”3 por Ulrich Beck, evidenciam-se hoje, os mesmos problemas trazidos naquele momento histórico, fatores ainda existentes atualmente e, pior, agravados com o crescimento populacional, aumento do consumo e esgotamento de recursos naturais. Nas palavras do autor:

    A própria modernização trouxe consequências que estão hoje arriscando as condições básicas de vida alcançadas por via desse mesmo processo.

    […] uma civilização que ameaça a si mesma, na qual a incessante produção de riqueza é acompanhada por uma igualmente incessante produção social de riscos globalizados que atingem da mesma forma todas as nações, sem distinção. (BECK, 2011, p. 129).

    Ulrich Beck (1944 – 2015) apresenta a chamada “Teoria da Sociedade do Risco”. Trata-se de uma das teorias sociológicas do século XX que mais impactou no campo do conhecimento, em especial nas chamadas ciências sociais, jurídicas e da engenharia, ao passo que fomentou grande preocupação nos teóricos a partir do surgimento dessa nova perspectiva voltada a conjunção de fatores essenciais para a tomada das decisões políticas pelos respectivos representantes legitimados como também pela população em geral.

    E essa dinâmica se justifica, ao passo que a Teoria apresentada ao longo do livro traz uma série de conotações vanguardistas (e preocupantes, acima de tudo) onde a conjunção interpretativa dos seus elementos basilares (interpretação do problema através de uma visão multidisciplinar, envolvendo vários ramos do conhecimento) permite-se chegar à descrição da maneira pela qual a sociedade se organiza em resposta ao risco.

    O risco na concepção do autor não consiste em catástrofe, mas na possibilidade de vislumbrar o seu acontecimento, antecipando-se para que o resultado não se concretize. Contudo, para isso ocorrer, necessariamente, caberá a mesma sociedade olhar em perspectiva, pois somente ações políticas concretas e efetivamente profiláticas serão capazes de transformar o futuro, sem se esquecer do papel crucial ocupado pela capacidade de se reinventar, muitas vezes por meio das próprias ferramentas de inovação tecnológica concebidas ao logo do processo de desenvolvimento dessa sociedade.

    Assim, tal percepção um tanto preocupante ao se avaliar os riscos assumidos pela sociedade de consumo atual, tende a evoluir também para outro viés, em que a consciência do risco global, através de uma política disruptiva, eleva os cidadãos a outros pensamentos: a perspectiva de novos espaços para futuros alternativos, frutos da abertura de um contexto social para se discutir, moral e politicamente, tais problemas e, ao final, atingir-se uma cultura em que se pode dizer que a responsabilidade é verdadeiramente globalizada. E isso tudo interligando-se umbilicalmente a capacidade desse consciente coletivo de inovar.

    E segue Ulrich Beck com a esperança de que essa mesma sociedade de risco seja também uma grande oportunidade social, pois, justamente em detrimento dos seus próprios riscos, vê-se que, a até então histórica autossuficiência cultural, religiosa e sistêmica de muitos Estados ceder, obrigando muitas vezes a povos totalmente desprovidos de qualquer afinidade de sentarem-se à mesa na busca de soluções e convergência de objetivos.

    À medida que a população mundial passa a ter a real consciência dos riscos globais e compreender que esses conectam os povos entre si, independentemente de onde provenham, emerge uma novel visão de sociedade onde as pessoas passam a entender melhor o seu espaço individualmente como cidadãos.

    Com as transformações da sociedade moderna, viu-se desenvolvimento econômico e melhoria de qualidade de vida. Porém, “em nome do progresso” tudo se fez sem avaliar os resultados e, principalmente, as consequências. Tal cenário, acarretou uma série de riscos para a sociedade que, até então, não eram possíveis de se imaginar.

    Situações de risco como guerras, terrorismo, volatilidade do capital financeiro, o desemprego em detrimento dos novos meios de produção (automação do processo produtivo), bem como a degradação do meio ambiente para o fomento econômico desmedido são fatores que contribuíram para uma nova leitura sobre a própria proteção dos direitos humanos.

    O conceito de sociedade de risco expressa a acumulação de riscos – ecológicos, financeiros, militares, terroristas, bioquímicos, informacionais – que tem uma presença esmagadora hoje em nosso mundo. (BECK, 2011, p. 361)

    Assim, na perspectiva de maior proteção dos direitos humanos, os riscos ambientais que a sociedade atual se encontra submetida possuem tanto dimensão difusa quanto transindividual, na linha evolutiva do pensamento, que passa pela proteção de tais direitos no período moderno até o atingimento do modelo atual de anteparo ao direito fundamental a um meio ambiente equilibrado e sustentável.

    De acordo com Sarlet e Fensterseifer (2010), no decorrer do século XX várias constituições consagraram o direito a um ambiente equilibrado ou saudável como direito humano e fundamental, reconhecendo o caráter vital da qualidade ambiental para o desenvolvimento humano em níveis com a dignidade:

    A qualidade ambiental deve, portanto, ser reconhecida como elemento integrante do conteúdo normativo do princípio da dignidade da pessoa humana, especialmente em razão da sua imprescindibilidade à manutenção e à existência da vida e de uma vida com qualidade, sendo fundamental de todo o potencial humano num quadrante de completo bem-estar existencial (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 13).

    Ainda, afirmam que:

    A preocupação doutrinária de se conceituar e definir, em termos normativos, um padrão mínimo em termos ambientais para a concretização da dignidade humana justifica-se a partir da importância essencial que a qualidade ambiental representa para o desenvolvimento da vida humana em toda a sua potencialidade (SARLET e FENSTERSEIFER, 2010, p. 25).

    Com efeito, a qualidade do ambiente, que demanda necessariamente um nível mínimo de proteção, decorre da responsabilidade de longa duração, ou seja, da solidariedade como uma “dimensão alargada da dignidade da vida e da pessoa humana, enquanto efeitos existenciais da proteção que se atribui aos recursos naturais” (AYALA, 2011, p. 176).

    Portanto, reconhecer e ter a real consciência dos riscos globais e entender o espaço individual de cada cidadão, como oportunidade social, é necessidade premente para entender tal dimensão, qual seja, o desenvolvimento humano em sua plenitude.

    Tal patamar mínimo de qualidade ambiental decorre das próprias necessidades básicas inerentes ao ser humano, não somente para subsistir minimamente, mas, principalmente, para se ter uma vida digna em todos os seus aspectos e, consequentemente, permeado pela dignidade humana, da vida em geral.

    Ocupando papel de destaque na obra de Beck (2011), a questão da segurança ambiental tem se apresentado como tema central das discussões contemporâneas, dada sua relação direta com a efetiva proteção dos cidadãos em face das possíveis violações da dignidade e dos direitos fundamentais, tudo em consequência do impacto ambiental produzido pela sociedade de risco.

    O Estado de Direito deve, por si só, ser capaz de promover a tutela da dignidade da pessoa humana diante dos novos riscos ambientais gerados pela sociedade contemporânea, garantindo a manutenção da vida com qualidade ambiental e, principalmente, antevendo as implicações futuras das medidas adotadas4, cabendo ao Estado de Direito Ambiental ser compreendido como a representação das novas reivindicações fundamentais da sociedade. (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 17).

    Abstrai-se, portanto, que a visão de Ulrich Beck é plenamente aplicável ao contexto social dos dias de hoje, pois, somando ao posicionamento de Sarlet e Fensterseifer, eleva ao mais alto nível a consciência real dos riscos globais e a perspectiva disruptiva da inovação tecnológica para solução dos problemas enfrentados.

    Desta forma, a oportunidade social (BECK, 2011), insere-se num contexto marcado por alternâncias na sociedade, por profundas mudanças na comunidade internacional, como a sociedade de massa, desenvolvimento tecnológico, relações econômico-sociais instáveis, entre outras mudanças decorrentes da nova coletividade contemporânea, surgindo a necessidade de sua preservação efetiva, onde cada ser humano passa a ter Direitos de solidariedade5.

    Diante dos riscos de inúmeras esferas, que compreendem não somente situações que impactam globalmente como mudanças climáticas, crises econômicas mundiais, terrorismo e pandemia (como a que assola, sem precedentes, o mundo hodiernamente, com a Sars-COVID 19), mas também de conjunturas básicas de cada povo com suas necessidades locais, subsistenciais e de sobrevivência, permite-se às pessoas que se vejam como parte de um todo muito maior e necessário para se atender as reivindicações fundamentais da sociedade.

    A proteção dos Direitos Humanos através da solidariedade, como dimensão dilatada da própria dignidade da vida e da pessoa humana, na perspectiva da qualidade do ambiente, figura-se como importante ponto de intersecção entre a preocupação de Ulrich Beck exposta em sua obra e a visão contemporânea dos meios efetivos para solução dos problemas ambientais.

    Portanto, ter a consciência das origens, consequências e do espaço ocupado pela degradação ambiental no centro sociedade moderna se tornou imprescindível para enfrentar as dificuldades decorrentes do processo desenvolvimentista.

    Compreender no que consiste uma “Sociedade de risco” através da obra em análise, permite colocá-la como ponto de partida e base jus filosófica da contemporânea crise socioambiental, pelos constantes riscos produzidos pelo processo industrial. Por outro lado, a inovação tecnológica, elementar nesse contexto de desenvolvimento, também passa a ser concebida como uma das alternativas para a incorporação da sustentabilidade na produção e sociedade de consumo na atualidade.


    3 Publicado originalmente na Alemanha em 1986, com o título “Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine andere Moderne”. No Brasil, a obra só foi publicada 24 anos depois, em 2010, com o título “Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade”. O livro de Ulrich Beck tornou-se uma espécie de clássico contemporâneo da sociologia.

    4 De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer, (2017, p. 419): “não é que o conhecimento científico a respeito dos danos conhecidos e potenciais provocados pelas radiações eletromagnéticas seja algo novo. O que é novo é justamente o aumento sensível de exposição das pessoas a tais radiações, o que é especialmente visível no tocante ao uso de aparelhos celulares.”

    I. A teoria do risco de Ulrich Beck

    Sem qualquer pretensão de esgotar esse vasto e interessante tema, a chamada Teoria do Risco desenvolvida pelo sociólogo alemão Ulrich Beck e publicada concomitantemente ao momento em que o mundo vivia as agruras do maior acidente nuclear da história em Chernobyl-Ucrânia, ocorrido em 26 de abril de 1986, pode ser vista como um alerta a sociedade de consumo.

    A obra apresenta um cenário preocupante: de uma sociedade que vive em constantes riscos, os quais são oriundos da sua própria torpeza, decorrentes da falta de preocupação com o meio ambiente, fruto de uma globalização desmedida, sem controle e, principalmente, desprovida de qualquer inquietação com a perpetração das espécies e da manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado ao passo que, ordinariamente, faz uso desmensurado dos recursos naturais e também os degrada, sem qualquer pecha de apreensão com as gerações futuras, com a qualidade de vida de seus sucessores e, especialmente, com a sustentabilidade.

    Há coincidências que são frutos do acaso. A história nos mostra isso constantemente. Contudo, a concomitância entre a publicação dessa primordial obra que representa um alerta a todos e a ocorrência de um acidente nuclear que dizimou muitas vidas6 e tornou tantas outras inválidas, não pode ser visto como mero acidente de percurso.

    Trata-se, na verdade, de um alerta à sociedade sobre as agruras existentes e que, muitas vezes, são frutos do descaso e da visão míope daqueles que insistem em pensar que os recursos em geral são infinitos. Toda ação gera uma reação, explica-se a física como ramo do conhecimento, sendo quanto tanto pior quando essa reação/consequência em resposta à ação degradante não permite o retorno ao “status quo ante bellum”.

    Esse é um dos pontos essenciais para a compreensão da teoria do risco e a condição vivida pela coletividade diante da necessidade de se enfrentar os riscos globais: a perda do controle pela sociedade ao passo que avança em suas ações de degradação do meio ambiente e esgotamento dos recursos naturais, fatores intrínsecos ao processo de globalização onde se assumem riscos (muitas vezes sem saber) de igual maneira global. Na visão do autor, os riscos por ele descritos não respeitam limites territoriais, tampouco os aspectos culturais dos povos e os sistemas político-econômicos de Poder.

    O que permite pensar que não existem coincidências morais na evidência de que uma sistemática de consumo e esgotamento de recursos naturais tal qual vivida pela sociedade, gravemente majorada a partir da revolução industrial, desde sempre deu os seus recados (mesmo que às vezes nas entrelinhas), não cabendo ao homem alegar surpresa ou mesmo desconhecimento do risco intrínseco ao trabalho de destruição da natureza.

    Assim, pode-se dizer que com o passar dos anos, os riscos causados pela sociedade de consumo tornaram-se maiores em formatos e dimensões, que, segundo Ulrich Beck, originaram-se na chamada sociedade industrial, passando à sociedade pós-industrial e, hoje, tornou-se a sociedade de risco.

    O agravamento da situação (risco), evidencia a existência de fatores muito preocupantes, pois o conhecimento científico não possui mais o controle dos riscos que ajudou a criar e também não tem a certeza sobre os efeitos que suas descobertas podem gerar na saúde humana e no meio ambiente.

    De outro modo, ao se abordar a obra “Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade” de Ulrich Beck em perspectiva de suas lições para a contemporânea crise socioambiental, percebe-se que a inovação tecnológica se apresentar como um importante instrumento da busca pela sustentabilidade.

    A partir da Teoria do Risco, do modelo capitalista e suas consequências como a crise ambiental e de consumo, mesmo após anos de desenvolvimento socioeconômico e na seara da ciência, as questões tratadas por Ulrich Beck apresentam-se hodiernas e que demandam soluções as quais, muitas delas, encontram na própria inovação (como produto dessa mesma sociedade de risco) as ferramentas para se alcançar sustentabilidade e consciência ambiental.


    5 Bobbio (1992, p. 6) esclarece que: “Ao lado dos direitos sociais que foram chamados de direitos de segunda geração emergiram-se hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído.”

    II. Mas, enfim, o que é sociedade de risco?

    Primeiro, necessário nos socorrer à definição mais simples do que é a Sociedade de risco para o Autor (BECK, 2011, p. 21): “uma forma sistemática de lidar com perigos e inseguranças induzidas e introduzidas pela própria modernização.”

    Destarte, a luz da teoria sociológica de Ulrich Beck, trata-se de um termo usado para descrever a maneira pela qual a sociedade atual se organiza em resposta ao risco, tendo como pontos de destaque as origens e as consequências da degradação ambiental como elementos centrais da sociedade moderna.

    Tal sociedade contemporânea ao ser analisada pelo Autor apresenta-se, de certa forma, fora do controle das instituições sociais ao passo que os aspectos tidos como negativos, ou os “riscos” decorrentes do desenvolvimento, superam sobremaneira os pontos positivos levando essa sociedade a ter uma cultura de risco e, consequentemente, dotada dos conhecimentos a permitir que situações dessa natureza sejam resolvidas através da ciência e, especialmente, agindo de forma auto protetiva em situações de perigo.

    Neste contexto, a inovação tecnológica, fruto do desenvolvimento e da evolução pautados na ciência desse mesmo contexto social, poderá servir para o fomento da sustentabilidade e da consciência ambiental, mesmo que a incerteza ocupe papel importante em sua concepção de sociedade de risco.

    Assim, tal noção de sociedade compreende o acúmulo de riscos das mais diversas naturezas (ecológicos, financeiros, militares, terroristas, bioquímicos, informacionais, etc.), enfim, tudo aquilo que cotidianamente se apresenta como riscos de uma sociedade neoliberal, independentemente de serem países ricos ou pobres, ocidentais ou orientais ao passo que a sociedade de risco, efetivamente, é aquela que tem por característica basilar a igualdade entre todos quanto aos potenciais riscos.

    Com efeito, a definição de risco não pode ser relacionada a acontecimentos naturais e catastróficos, incluindo também nesta discussão elementos de “efeitos colaterais sociais, econômicos e políticos desses efeitos colaterais: perdas de mercado, depreciação do capital, controles burocráticos das decisões empresariais, abertura de novos mercados, custos astronômicos, procedimentos judiciais, perde de prestígio” (BECK, 2011, p. 28).

    Para outro importante autor sobre o tema, Anthony Giddens (2002, p. 01), o termo com origem histórica na palavra latina risco (inicialmente usado como jargão por marinheiros para se referir a águas desconhecidas), representa tal coletividade que a cada momento que passa encontra-se mais absorta na noção de risco à medida que se preocupa com o futuro e com a segurança.

    Embora existam linhas de pensamento que, conforme a concepção moderna, compreendem o “risco” como algo bom ou mau, por tratar-se de um conceito neutro, que traduz a probabilidade de algo acontecer, combinada com a magnitude de perdas e ganhos associados7, ou ainda, podendo ser interpretado como resposta cultural a uma violação “[…] pode ser entendido como a resposta cultural a uma transgressão: o resultado de quebrar um tabu, de ultrapassar determinada fronteira, de cometer um pecado.” (LUPTON, 1999, p. 45), a essência que permeia o tema é uma só: é impossível isentar toda e qualquer tentativa de definição do conceito de risco.

    Tudo isso atentando-se que, para Ulrich Beck, a tecnologia e o desenvolvimento industrial criaram os riscos globais. Segundo Beck (2011, p. 28), os riscos e perigos de hoje se diferenciam essencialmente dos da Idade Média:

    […] pela globalidade de suas ameaças, e por suas causas modernas. São riscos da modernização. É um produto global da maquinaria do progresso industrial e são aumentados sistematicamente com seu desenvolvimento posterior.

    E segue de maneira peremptória, definindo três possíveis espécies de risco global: risco da destruição global que é fruto do desenvolvimento industrial (ex. buraco na camada de ozônio e efeito estufa); risco relacionados à pobreza (ex. habitação, alimentação e energia); e risco decorrente de “armas” de alto poder destrutivo, seja nuclear, biológico ou químico.

    Anthony Giddens (2012) diverge de maneira ponderada de Ulrich Beck, ao trazer uma definição de sociedade de risco um pouco diferente, sendo na sua concepção “uma sociedade cada vez mais preocupada com o futuro (e também com a segurança), o que gera a noção de risco” (GIDDENS cit. in LUPTON, 1999, p. 74), enquanto o sociólogo alemão define como “uma forma sistemática de lidar com perigos e inseguranças induzidas e introduzidas pela própria modernização” (BECK, 2011, p.21).

    Portanto, tem-se que uma sociedade de risco é a forma como aqueles sujeitos de direito lidam com os perigos e inseguranças, os frutos do próprio sistema em consequência do processo de formação da sociedade contemporânea.

    Outra característica que nos permite compreender, afinal, o que é uma sociedade de risco passa pela necessária mudança de paradigma ao se analisar o risco, pois, agora não há como se pensar numa leitura apenas individual, pois a correta compreensão apenas acontecerá com a visão global e em conjunto.

    Consequentemente, analisar os riscos compreende utilizar ferramentas fornecidas pela modernidade, em especial aquilo que se encontra no conhecimento científico e nas tecnologias desenvolvidas pela sociedade atual que, mesmo com todos os seus incontáveis avanços, não têm sido suficientes para dar conta, na mesma proporção, dos problemas.

    Neste contexto, as mudanças e transformações ocorrem em outro patamar, de um mundo considerado mais estável e tradicional para outro mais moderno e com grandes transformações, seguindo, agora, para o modelo denominado pós-moderno. Hoje, passados quase 35 anos da publicação de sua obra, é estreme de dúvidas que a sociedade de risco continua enquadrada no conceito inaugural de Ulrich Beck, porém de forma muito mais complexa.

    A insegurança é tamanha: uma sociedade líquida com risco real de se afogar. A pós-modernidade trouxe às claras a dicotomia política entre concepções nacionalistas em detrimento de outras que focam no neoliberalismo como forma de governo, levando-as a chamada modernidade reflexiva.

    Recapitulando: os processos de modernização que promoveriam o progresso, tiveram como efeito não intencional a criação de riscos artificiais, visto que foram criados pelos próprios homens. Daí emerge a ideia de que a modernidade atual se tornou reflexiva, pois se confronta com os mecanismos criados pela modernização ocidental e na medida em que adquire consciência desses riscos, torna-se um problema para si mesmo.

    E, partindo da hipótese da modernização reflexiva, Beck8 se propôs a entender a contemporânea modernidade, considerando aspectos multidisciplinares e, sem se perder do viés sociológico, tratou de tema juntamente a outros autores9 considerando a importância das transformações na intimidade da sociedade, que levaram a uma cultura global, politizada, onde os entes compreendem efetivamente a multiplicidade dos papéis sociais.

    Dentro desse conceito trazido sobre a sociedade atual e, portanto, reflexiva, sua construção, a partir da década de 1990, levou-a ao conceito de uma sociedade de risco. A qual encontra-se pautada na dualidade entre a expectativa da vida pós-moderna, com os seus benefícios trazidos pelas diversas áreas do conhecimento, em especial aos estudos e evoluções

    que culminaram no aumento da expectativa de vida da população em geral e, ao mesmo tempo, antagonicamente, encontra-se também pautada nas incertezas como, por exemplo, possíveis guerras nucleares, situações que representam indubitavelmente um risco abissal à toda espécie humana.

    Parafraseando Thomas Hobbes10, longe de qualquer abordagem analítica ou crítica aos seus representativos trabalhos para que não se perca no escopo do presente, a sua frase “O homem é o lobo do homem” se aplica ao contexto dessa sociedade assim chamada de reflexiva sem que, obviamente, o referido autor pudesse antever as agruras vividas pela sociedade contemporânea.

    O risco torna-se, consequentemente, parte da sociedade e materializa-se por meio dessa dualidade, frutos do mesmo cerne, o desenvolvimento tecnológico.

    Já em relação à solução dos problemas atuais, a inovação tecnológica foi fundamental para o processo de industrialização que, como consequência, deu início ao processo que nos trouxe à atual crise ambiental, é possível afirmar que, contemporaneamente, tornou-se essencial justamente para a resolução das dificuldades enfrentadas pela atual sociedade de risco.

    Do mesmo modo, a proposta à resolução dos problemas ambientais atuais e, de maneira geral, aos de toda a sociedade de risco (contemporânea) decorre fundamentalmente do próprio processo de inovação. Ao passo que permite, a partir da consciência social, não apenas desenvolver, mas sim fazê-lo de maneira sustentável e equilibrada, com a adoção de tecnologias inovadoras (ex.: carros elétricos, energia limpa, produtos biodegradáveis, reciclagem, entre outras inúmeras possibilidades).

    Com o risco tornando-se parte da sociedade, surge importante dilema: prever o que vai acontecer diante de todas as substanciais mudanças que levaram a um rearranjo entre riscos e oportunidades não antes visto e fazer o uso correto desse conhecimento adquirido a duras penas em prol do desenvolvimento sustentável.

    E a dualidade anteriormente mencionada novamente se apresenta: a inovação tecnológica ao tomar mais corpo e forma principalmente a partir da revolução industrial quando, ainda, não havia na sociedade uma preocupação efetiva com as nefastas sequelas do desenvolvimento desenfreado, contribuindo sobremaneira com o agravamento da crise de produção e de consumo agregado atualmente, conota-se que, essa mesma inovação passa a ocupar um papel crucial para se buscar sustentabilidade neste processo como afirma Beck.

    Já para alguns autores como Fensterseifer e Sarlet (2010) e John Elkington (2001) tendo como expoente de peso o sociólogo britânico Anthony Giddens (2002), caberia uma “terceira via”, consubstanciada na proposta voltada a buscar elementos bons tanto no campo da liberação como na proposta de conciliação e, assim, consequentemente, alcançar uma melhor convivência política, social e intercultural, ou seja, parte-se da ideia de convergência de pensamentos ideológicos, sempre e obrigatoriamente, pautados no respeito mútuo.

    Por fim, mesmo diante de interpretações doutrinarias divergentes em alguns aspectos, os autores convergem para a noção de que os problemas causados pelo desenvolvimento irão encontrar no próprio processo desenvolvimentista as possíveis soluções como no surgimento de novas tecnologias.

    Assim, segundo Jeremy RIFKIN11 (2012, p. 54) as novas formas de comunicação dentro de uma comunidade complexa (sociedade de risco), acabam se tornando mecanismos de organização e gerenciamento concretizados pelas novas tecnologias, ou seja, o próprio processo de desenvolvimento que gerou os riscos, pode apresentar meios de solução:

    A tecnologia de comunicação é o sistema nervoso que supervisiona, coordena e gerencia o organismo econômico, e a energia é o sangue que circula pelo corpo político, fornecendo alimento para converter as riquezas naturais em bens e serviços que mantêm a economia viva e em crescimento. A infraestrutura é semelhante a um sistema vivo que reúne um número cada vez maior de pessoas em relações econômicas e sociais mais complexas.

    Portanto, o próprio processo de modernização criado por essa sociedade de risco, fruto e consequência da incerteza e, em especial, a preocupação com temas evidentemente essenciais a subsistência com qualidade da espécie humana, levaram essa mesma coletividade, lastreada na segurança e na expectativa de um futuro sustentável, a encontrar ferramentas que possam mitigar os riscos sociais globalizados.

    A essa nova realidade cosmopolita global, cercada de incertezas que, no que lhe concerne, expressam o acúmulo de riscos, atravessando a autossuficiência das culturas, idiomas, religiões e sistemas, levam ao necessário alinhamento de interesses coletivos. Com isso, passa-se a reconhecer as necessidades dessa realidade cosmopolita e, consequentemente, a obrigatoriedade de se pensar e agir de maneira interdependente.

    Igualmente, a proposta do autor evidentemente não se apresenta como a solução para todos os problemas dessa sociedade incutida em riscos das mais diversas formas, mas um ponto de reflexão entre a realidade e o que se busca para as gerações futuras. E as ferramentas de inovação tecnológica fomentadas pela evolução científica dessa mesma sociedade de risco, passam, portanto, a ocupar um papel crucial para se solucionar (ou mesmo mitigar) as consequências do risco globalizado especialmente na seara ambiental.

    Assim, pode-se afirmar que uma sociedade de risco é a forma pela qual os sujeitos de direito enfrentam os perigos e inseguranças da modernidade, consequências do próprio sistema de consolidação da sociedade contemporânea, e obtêm, do próprio processo, os instrumentos de busca da sustentabilidade através do desenvolvimento e da inovação tecnológica.

    Para isso, se faz necessário analisar a posição ocupada pelos danos ambientais próprios da sociedade de risco global e, como defendido pelo autor, observar sua influência na estrutura jurídica e institucional, evidenciando a preocupação precípua do dever do Estado de também controlar os riscos, onde quanto maior o desenvolvimento científico, maiores serão os riscos para a sociedade e para o meio ambiente em uma escala que vai do indivíduo até coletividade global.


    6 Segundo estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) o acidente nuclear ocorrido em Chernobyl em 26.04.1986 causou: 31 mortos (diretamente) + 15 mortos (indiretamente, até 2011) + 6.000 casos de câncer de tireoide + 4.000 fatalidades a longo prazo no mundo soviético 9.000 a 16.000 mortos devido a contaminação pela Europa. Fonte: «Special Report: Counting the dead». Nature. 440 (7087): 982–983. 1 de Abril de 2006.

    7 “A noção de risco tal como é desenvolvida nos seguros surge associada a noções de oportunidade e probabilidade de um lado e perda e dano do outro. Estes dois grupos de conceito reúnem-se no conceito de acidente, contra o qual cada um procura precaver-se: ‘O modelo geral do seguro é o jogo da sorte: um risco, um acidente surge como um número da roleta, uma carta tirada de um baralho. Com o seguro, o jogo torna-se um símbolo do mundo’ (EWALD, 1991, p. 199). Desta perspectiva, ‘risco’ é um conceito neutro, traduzindo a probabilidade de algo acontecer, combinada com a magnitude de perdas e ganhos associados.” (LUPTON, 1999, p. 8).

    8 Em obra intitulada “Modernização Reflexiva: Política, Tradição e Estética na Ordem Social Contemporânea”, Beck descreve, tanto aquilo que chama de sociedade industrial, quanto uma nova forma de organização social que emerge após a queda do muro de Berlim (1989) – considerada a data símbolo no fim de uma época e o aparecimento de uma nova forma social. (BECK, 1997).

    9 Ulrich Beck, Anthony Giddens e Scott Lash empregam o termo “Modernidade Reflexiva” para caracterizar a sociedade pós-moderna ou contemporânea.

    10 Para o autor de “Leviatã”, o ser humano é naturalmente egoísta e mau, e compete à sociedade contornar isso – com uma coisa chamada “Contrato Social”.

    11 O autor, teórico social e econômico, defende a necessidade de uma nova narrativa econômica na qual o enredo começa com o entendimento de que as grandes transformações econômicas da história ocorrem a partir da convergência entre novas tecnologias de comunicação e novos sistemas de produção e distribuição de energia.

    III. A modernidade reflexiva em uma sociedade líquida

    Partindo-se do conceito alicerçado na teorização de Ulrich Beck, a sociedade contemporânea pode ser conceituada como aquela que se organiza em face dos riscos, incertezas, perigos e inseguranças decorrentes do próprio processo de modernização.

    A análise feita pelo autor denota uma leitura que parte de diferentes momentos históricos até se atingir os dias atuais com a denominada sociedade pós-moderna, muito mais complexa e multifacetada, alçando a compreensão do termo “risco” à diversas dimensões.

    Ao presente trabalho compete externar os dois principais enfoques dados à sociedade contemporânea, separando em dois momentos distintos.

    O primeiro, voltado a modernidade industrial, com características de uma sociedade estatal e nacionalizada, dotada de estruturas coletivas, condições de emprego e oportunidades favoráveis, processo de crescimento industrial acelerado com aumento substancial do uso de recursos naturais embora com poucas consequências visíveis, pautado principalmente em processos políticos e industriais revolucionários a partir do século XVIII.

    E, já o segundo, focado exclusivamente na modernidade reflexiva cujo começo se deu a partir do final do segundo milênio. Diante da sua importância para as Teorias de U. Beck e A. Giddens, a compreensão exata da expressão “modernidade reflexiva” nos leva ao correto entendimento, de maneira obliqua, dos próprios riscos inerentes a essa sociedade que extrapolam as realidades individuais, fronteiras territoriais e temporais:

    Modernização reflexiva significa a possibilidade de uma (auto) destruição criativa para toda uma era: aquela da sociedade industrial. O sujeito dessa destruição criativa não é a revolução, não é a crise, mas a vitória da modernização ocidental (BECK, 1997, p. 10).

    Assim, a adoção do termo correlato à “reflexividade” surge, a princípio, do fato de que as premissas, contradições e desacertos da fase anterior, precisam ser objeto de ampla reflexão, com a projeção em perspectiva futura de se construir uma sociedade que seja realmente coerente e permita, diante de suas políticas públicas, garantir a perpetuação da espécie com qualidade e tudo isso como a consequência de um amplo processo dialético de construção.

    Conforme anteriormente afirmado, a pós-modernidade trouxe às claras a dicotomia política entre concepções nacionalistas em detrimento de outras que focam no neoliberalismo como forma de governo, levando-as a chamada modernidade reflexiva. Tais processos de modernização, inicialmente almejados como meios de promoção do progresso, acabaram por criar riscos artificiais não intencionais, fruto da própria ação do homem e, com isso, a modernidade atual se tornou reflexiva ao passo que, de um lado, adquiriu maior consciência social dos mecanismos criados pelo processo evolutivo ocidental, passou a constatar a real dimensão dos riscos por ele criados.

    Igualmente, evidencia-se que os riscos partem de diversas causas, tendo a desigualdade social, acentuada sobremaneira pelo processo acelerado de globalização, como uma das principais geradoras de risco na “sociedade de risco”.

    Desta forma, o termo proposto por Giddens, Beck e Lash no livro Modernização Reflexiva traz consigo as transformações do mundo atual e suas possíveis consequências (boas ou ruins), através do fomento da crítica ativa e da dialética, o que envolveria um processo de individualização e mudança dos paradigmas tradicionais.

    Ainda de acordo com os autores supra aludidos, há de se ter em mente que o conhecimento humano também o é reflexivo.

    O mundo social e natural possui intima correlação com o estágio de conhecimento daquela sociedade e, por isso, surge a ideia originária de crise ecológica, posto ser uma seara onde se constata com maior clareza a imprevisibilidade dos fatos e consequências, além da real noção e dimensão dos riscos. Ou seja, risco, imprevisibilidade e crise como elementos do conhecimento que se tornaram essenciais na cultura coeva. Como resultado desse processo hermenêutico e interpretativo, surge, assim, a sensibilidade reflexiva, que se encontra alicerçada nas questões ordinárias, na própria vida cotidiana.

    A vontade social para que situações ordinárias sejam controladas pela razão é um dos pontos de principal questionamento pela sociedade de risco, ao passo que os fatos cotidianos se apresentam com certa imprevisibilidade, evidenciando aquilo que não se quer enxergar: o império das incertezas. Neste sentido, o autor afirma que:

    “A reflexividade e a impossibilidade de controle do desenvolvimento social invadem as sub-regiões individuais, desconsiderando jurisdições, classificações e limites regionais, nacionais, políticos e científicos” (BECK, 1997, p. 12)

    Com o adentrar das incertezas em todos os vieses da vida em sociedade, as críticas se intensificam, surgindo na modernização reflexiva aquilo que se pode chamar de alicerce para a sua forma autônoma, haja vista inexistir um elemento certo e definitivo.

    Outra característica da reflexividade reside no próprio cotidiano dessa nova sociedade, onde a tradição deixa de ser o elemento essencial a amolda (Giddens, 1997). As condutas e situações do dia a dia passam a ter como único e exclusivo ator principal o indivíduo, fruto e consequência das incertezas que lhe obrigam a caminhar por um intenso processo de individualização que, por sua vez, não pode ser confundido com livre arbítrio, já que a escorreita compreensão do termo consiste na dependência em relação aos processos decisórios.

    De igual importância, o processo de individualização se intensifica não somente na esfera privada mas também dentro do aspecto público. Ainda que em um novo sentido, o viés político passa a integrar a sociedade além dos limites tradicionais, como os encargos e eventuais hierarquizações protocolares. As decisões passam a demandar maiores esforços, pois é preciso formar, construir e pensar em perspectiva, formando uma nova convicção que, na visão de Ulrich Beck, tal renascimento consiste em uma subjetividade política compreendida como “subpolítica”.

    Com efeito, dentre as propostas da teorização sobre a modernidade reflexiva, nota-se que o papel de destaque antes ocupado pelas esferas ortodoxas (sistema político tradicional) na tomada das decisões de maior interferência social deixam de ter a mesma relevância, ao passo que as searas informais, formadas pela politização do não-político, insurgem como novos ventos a sobrar contra a conjetura de paralisia da pretensão política.

    Assim, a própria vida em sociedade consiste em um risco, do qual emerge um outro importante conceito: de modernidade líquida.

    Desenvolvido pelo sociólogo Zygmunt Bauman12 de maneira mais acentuada a partir da década de 1960, mas tendo seu nascedouro com o início do capitalismo industrial (Revolução Industrial), o termo modernidade líquida refere-se a uma nova era onde as relações econômico-sociais e de produção são fugazes e maleáveis tal qual líquidos; uma visão da efemeridade, do imediatismo e das fragilidades das instituições e nas relações humanas, submetidas às questões inerentes ao modelo de consumo (lógica do capitalismo):

    “Fluidez” é a qualidade de líquidos e gases. (…) Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. (…) Os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, “escorrem”, “esvaem-se”… (BAUMAN, 2001, p. 12).

    Diferentemente de outros autores, Bauman entende que o termo “pós-modernidade” não deve ser aplicado mas sim o conceito de “modernidade líquida” para referir-se aos dias de hoje. Tal metáfora à fluidez dos líquidos encontra amparo em sua doutrina, pois, segundo ele, não é possível afirmar que há a “pós-modernidade” como resultado de um processo evolutivo, de ruptura e superação mas sim um processo de continuidade àquilo que foi conceituado como modernidade, pois apesar as notórias mudanças, o núcleo capitalista se mantem igual apesar de uma lógica diferente (individualismo, consumo, imediatismo e volatilidade):

    Tudo é temporário, a modernidade (…) – tal como os líquidos – caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. (BAUMAN, 2001, p. 14).

    Assim, a modernidade líquida seria “um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível” (BAUMAN, 2001, p. 18), marcada pela liquidez, volatilidade e fluidez onde as relações interpessoais e a acontecimentos sociais não são feitos para durarem, estando em constantes transformações e, por isso, de duração diminuta e efêmera.

    Diante de tais considerações, ao se analisar os conceitos e definições aqui expostos, conclui-se que a sociedade vive em constante transformação, mesmo que se maneira indesejada e desapercebida, e, igualmente em silêncio, a modernização reflexiva passa a externar sua fisionomia por meio de pequenos gestos que, somados, levarão a um representativo resultado: que nada mais é do que o processo de evolução da mesma sociedade industrial.

    Dentro desse contexto em que tudo se dilui no ar, Beck se voltou a compreender a contemporaneidade, considerando vários aspectos dentre eles o viés sociológico e a importância das transformações na intimidade da sociedade, culminando com uma cultura globalizada, politizada, onde cada um sabe o seu exato papel social.

    E, conforme disposto por Ulrich Beck (1995), a principal característica dessa sociedade cultural e globalizada, ou seja, de riscos, reside no fato das próprias inovações de cunho tecnológicos e organizacionais da coletividade contemporânea levam, por outro lado, à geração de efeitos nefastos que, com o aumento da complexidade das relações interpessoais, se tornam cada vez mais complexas, imprevisíveis e, em determinadas situações, fora do controle humano. Característica que se mostrou presente a partir da falência dos sistemas institucionais convencionais com o término do período industrial.

    O Estado-nação, não consegue mais regular os riscos de alta complexidade, principalmente, aqueles que têm uma espacialidade e uma temporalidade que vão além das fronteiras geopolíticas nacionais (1995, p. 210).

    Ou seja, o conjunto de riscos geraria “uma nova forma de capitalismo, uma nova forma de economia, uma nova forma de ordem global, uma nova forma de sociedade e uma nova forma de vida pessoal” (BECK, 1997, p. 7).

    Assim, a sociedade atual, reflexiva, é fruto da dualidade entre a expectativa da vida pós-moderna, com os seus benefícios e, por outro lado, apresenta-se pautada na incerteza, na insegurança e no desconhecido.

    Consequentemente, os novos questionamentos que surgem dessa novel sociedade, servirão para demover os alicerces da sociedade industrial, levando a modernidade a um verdadeiro ato de reflexão interior (modernização reflexiva), o que permitirá, ao final, a conscientização coletiva de que a tradicional ordem social encontra-se abalada tal como a confiança nas instituições modernas posto que apresentam-se inaptas para a solução das agruras atuais, justamente reflexiva, pois torna-se um tema e um problema em si.


    12 Modernidade Líquida, Zygmunt Bauman. Ed. Zahar, 2001.

    Considerações finais

    O presente artigo analisou um dos atuais temas da sociologia, que é a sociedade de risco, com o propósito de compreender as definições e a amplitude do risco e, consequentemente, refletir sobre as delimitações referentes ao bem jurídico protegido, no caso em estudo, em especial o meio ambiente equilibrado.

    A abordagem da obra de Ulrich Beck em perspectiva de suas lições para contemporânea crise socioambiental encontra na inovação tecnológica um importante instrumento de busca pela sustentabilidade e por consciência ambiental.

    Embora haja dificuldades com as quais o Estado continuará se deparando para se adequar as novas mudanças ocorridas na sociedade pós-industrial, torna-se necessário o estudo da sociedade de risco através de uma concepção sociológica, filosófica e jurídica, pois a cada dia novos riscos serão impostos aos cidadãos, devendo o Estado procurar soluções aptas à proteção de uma sociedade descrente e desconfiada de seus institutos.

    A tal sociedade de risco, deve-se compreender como a forma pela qual os sujeitos direito enfrentam os perigos e inseguranças da modernidade, consequências do próprio processo que, também, disponibilizará as ferramentas necessárias ao desenvolvimento sustentável (inovação tecnológica).

    Ao direito, por sua vez, não cabe a imposição proibitiva ao risco. É necessário conhecimento e consequentemente regulação, sendo essa a construção que assegurará a confiança necessária de que o alter não roubará as legítimas expectativas sociais que recaem sobre si, regulando-as harmonicamente.

    Os desafios impostos por uma sociedade de risco, complexa, multifacetada e descentralizada, ao Direito levam ao pensamento obrigatório de aprimoramento, dentro de uma perspectiva científica capaz de compreender e descrever as suas complexidades e os seus desafios.

    Com efeito, torna-se concreto o surgimento de soluções que o aperfeiçoem e o otimizem de maneira coerente e adequada às necessidades do presente e, principalmente, do futuro como resultado dessa nova visão de sociedade onde os indivíduos passam a compreender o seu espaço como cidadãos de uma única coletividade, ou seja, a forma como a sociedade se organiza em resposta ao risco.

    A incessante produção de riqueza levou ao agravamento dos riscos ao equilíbrio da vida, como as ameaças ao meio ambiente equilibrado e, consequentemente, à saúde e ao bem-estar de todos.

    A coletividade caminha para a situação já exposta: uma sociedade de riscos, os quais se tornam a medida de seu agravamento, imprevisíveis e irreversíveis, com graves proporções globais além de impactarem substancialmente no trabalho ao passo que se torna pluralizado, flexível e descentralizado, expondo ainda mais o lado mais fraco da relação laboral às situações de vulnerabilidade e fragilidade, elevando sobremaneira a exploração da mão de obra disponível.

    Desta forma, deparamo-nos com determinadas mudanças sociais que provocam e exigem uma atuação punitiva por parte do Estado. E é justamente a proteção de bens jurídicos novos que vêm criando contornos jamais imaginados em um ramo do direito que adotou regularmente princípios como o da subsidiariedade ou o da intervenção mínima.

    Deixamos de lado a proteção exclusiva do indivíduo para protegermos bens jurídicos supraindividuais, como o meio ambiente, o consumidor, a bioética e a economia. Na verdade, com a constatação da existência de uma sociedade de risco, passa-se a ter a consciência das origens, consequências e do espaço ocupado pela degradação ambiental no centro da sociedade moderna.

    Não adianta negarmos a ideia de que a sociedade de risco nunca existiu ou que o risco nem sempre esteve presente nas relações humanas.

    Vivenciamos um momento de transformação social que exige um estudo detalhado e a reflexão de quais posições efetivamente atenderão aos direitos fundamentais dos indivíduos e, consequentemente, resguardar a aplicação das normas constitucionais, exigindo do Poder Público e do aplicador do Direito visão em perspectiva, pautada na preservação e perpetração da vida, desprovida de pragmatismos técnicos para, assim, com o uso das ferramentas fomentadas pelo próprio processo desenvolvimentista, alcançar o necessário equilíbrio.

    Assim, como já anteriormente exposto, a própria modernização trouxe consequências que acabaram se tornando ameaças à própria existência da civilização ao gerar riquezas desmesuradamente sem a preocupação com o espectro sustentabilidade. De igual forma, enseja o aumento dos riscos sociais globalizados indistintamente. A incerteza gerada expressa o acúmulo de riscos, atravessando a autossuficiência das culturas, idiomas, religiões e sistemas, ou seja, riscos globais que criaram uma realidade cosmopolita mundial.

    Isso leva indubitavelmente ao alinhamento dos interesses individuais com os comunitários, através do reconhecimento das instâncias legítimas dos demais (realidade cosmopolita), obrigando que, consequentemente, todos se preocupem como partes inseridas num todo que se comunica cada vez mais e se apresenta de maneira interdependente.

    A natureza global dos problemas socioambientais, a necessidade de uma nova visão sobre a cultura jurídica de atribuição de responsabilidades e de reparação e, ainda, a insurgência de outras searas da sociedade que representem posições não estatais de subpolítica e de ação social em face dos riscos ambientais da sociedade pós-moderna, são pontos essenciais que interessam sobremaneira ao direito do meio ambiente, os quais, sem o necessário enfrentamento e, principalmente, apresentando soluções por meio das ferramentas criadas pelo processo de desenvolvimento tecnológico intrínseco (inovação), tendem a se agravarem enquanto que os riscos decorrentes dessa sociedade se tornam maiores e mais complexos.

    Portanto, a proposta do autor não se trata de um remédio mágico para todas as mazelas do mundo, mas um verdadeiro convite ao pensamento em perspectiva futura, com o verdadeiro viés de que a vida segue, e é para frente que devemos nos guiar.

    E, na linha do pensamento exposto por meio do presente trabalho, o Direito acaba atuando como instrumento de redução da complexidade, uma ordem redutiva, em constante aprimoramento. Tal visão jurídico-sociológica, por sua vez, contribui para que o Direito se mantenha focado nessa perspectiva circular, ao contrário da visão unicamente casual das relações jurídicas (visão míope), buscando aperfeiçoar-se e superar suas próprias antinomias, através de uma sólida epistemologia jurídica efetivamente preocupada com a construção de um futuro sustentável para nossa sociedade de risco.

    Ao direito do meio ambiente, compete a importante missão de propor as mudanças culturais de responsabilização e reparação, hoje em dia muito mais preocupada com o aspecto pecuniário do que com uma cultura reparativa, evidenciando aquilo que o autor traz a exaustão: que o risco surge da própria sociedade e assim permite a aproximação direta da realidade, cabendo a reflexividade atuar como mediadora empírico-teórica.

    As sugestões de Ulrich Beck (e não apenas as teóricas), consistem num verdadeiro choque de realidade que nos lança a pensar adiante. A olhar para frente e nos permitir, essencialmente pautado no respeito, antever o que desejamos aos nossos filhos e, quem sabe com sabedoria, utilizar desse importante convite à reflexão sobre a necessidade da transformação social na intimidade e muito através da inovação tecnológica, como meio de se tornar o presente futuro melhor a essa sociedade plurilateral.

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