Governo Zema deve ter dificuldade para aprovar privatização da Cemig, dizem analistas
SÃO PAULO (Reuters) – A proposta do governo de Minas Gerais de privatizar a estatal Cemig não será de fácil execução, uma vez que a medida exigirá aprovação popular ou maioria de três quintos no legislativo local, onde a gestão Romeu Zema tem mostrado dificuldades para obter votos, disseram analistas à Reuters.
Zema, um empresário novato na política que elegeu-se no ano passado sob promessas de uma gestão liberal, tem falado em vender a emblemática companhia de energia como parte de um plano de recuperação fiscal do Estado negociado junto à União.
Um projeto de lei nesse sentido, autorizando a desestatização da Cemig e de outras empresas públicas, deve ser enviado pelo governo estadual à Assembleia Legislativa de Minas Gerais ainda neste mês, disseram executivos da Cemig na semana passada.
Pela Constituição de Minas Gerais, a venda do controle de empresas de serviço público prevê aprovação em plebiscito, o que poderia ser evitado por Zema com a obtenção do apoio de três quintos dos deputados estaduais a uma mudança constitucional que acabasse com essa obrigação.
“Se o governo quiser seguir o trâmite normal, teria que apresentar um referendo, chamar a população pra votar. Um caminho que não sei se é mais fácil, mas é mais passível de negociação, seria a alteração da legislação estadual”, disse o sócio do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados, Carlos Tortoro.
“Basicamente, alterações de Constituição devem ser por maioria absoluta, e me parece que também é um caminho complicado, porque não sei se o governo mineiro vai ter condições de ter essa coalizão”, acrescentou.
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais é composta por 77 deputados estaduais, dos quais apenas três pertencem ao Novo, partido de Zema.
Os políticos do Novo fazem parte do bloco “Sou Minas Gerais”, o maior da casa, com 21 membros, incluindo filiados ao PSDB, mas que não soma vantagem considerável frente aos demais.
O bloco “Liberdade e Progresso”, com legendas como PSL e PSD, e o “Minas tem História”, com políticos do MDB e PV, somam 20 membros cada.
Já o grupo “Democracia e Luta”, formado por partidos de oposição, como PT, PCdoB e PSOL, conta com 16 membros.
Procurado, o governo Zema disse em nota que “a privatização de estatais mineiras está sendo avaliada por uma equipe técnica” e que “as propostas serão encaminhadas pelo Executivo à Assembleia Legislativa”.
“O governo de Minas Gerais entende que as estatais serão melhores operadas nas mãos da iniciativa privada, contribuindo para a melhoria da performance, cobertura e qualidade dos serviços oferecidos”, acrescentou.
NEGOCIAÇÃO DURA
Mesmo que Zema conseguisse uma vitória em plebiscito sobre a Cemig, o negócio ainda exigiria aprovação ao menos por maioria simples no legislativo local, o que já demandaria a conquista de alguns votos do “centro”, disse o analista político Carlos Ranulfo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais.
“O problema é que o Zema não tem maioria na Assembleia e a Cemig é uma empresa que tem história no Estado, é conceituada… é muito difícil. Mesmo com maioria simples poderia haver dificuldades”, afirmou.
Ele comparou a situação aos problemas de negociação enfrentadas pelo presidente Jair Bolsonaro junto ao Congresso Nacional em Brasília.
O cientista político e professor da PUC Minas, Malco Camargos, destacou que mesmo o pequeno bloco de apoio a Zema no legislativo não tem mostrado fidelidade em votações, o que aumenta as incertezas.
“A base do governo é muito frágil… parte desses 20 não vota sistematicamente com o governo, mesmo dentro do seu bloco há dificuldades”, disse.
Com grupos de situação e oposição de portes semelhantes, a discussão parlamentar provavelmente seria decidida pelos “independentes”, que devem estar abertos à negociação, mas provavelmente levarão em conta em seus votos o custo de imagem de uma decisão pela privatização.
“A Cemig para Minas Gerais é mais ou menos igual o Banco do Brasil, a Petrobras e a Caixa para o governo federal. São empresas públicas com longa tradição e que fazem parte do DNA do Estado”, disse Camargos.
Por outro lado, o governo mineiro pode usar como argumento a difícil situação fiscal do Estado, que tem na venda da Cemig uma das contrapartidas do governo federal para a viabilização de um plano de recuperação, apontou ele.
“Não dá para fazer uma previsão hoje. O governo deve ter dificuldade para aprovação, o que não quer dizer que não conseguirá. A reforma da Previdência também era um tema pouco aprazível”, comparou.
Antes vista como tema amplamente impopular, a reforma da Previdência foi aprovada na Câmara dos Deputados e chegou a ser alvo de manifestações públicas neste ano, nas quais apoiadores de Bolsonaro defenderam a medida.
Criada em 1952 pelo então governador de Minas Gerais Juscelino Kubitschek, a Cemig tem negócios em geração, transmissão e distribuição de energia, com valor de mercado de 23,1 bilhões de reais, segundo dados do Refinitiv Eikon.
A elétrica registrou entre janeiro e junho um lucro líquido de 2,9 bilhões de reais, o maior para um primeiro semestre na história da companhia, um ponto que também deve ser utilizado como argumento contrários à privatização por alguns políticos, segundo os especialistas.