Seria a Súmula 308 do STJ de fato uma benesse aos consumidores finais?
Guilherme Zauli, coordenador da área imobiliária do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados
É sabido que ao desenvolver determinado empreendimento imobiliário, as incorporadoras responsáveis pela concretização dos projetos buscam recursos junto às instituições financeiras, as quais por sua vez, exigem determinado tipo de garantia para liberação destes valores.
Por garantir maior autonomia às incorporadoras, visto que tal gravame não impede a alienação das unidades a serem comercializadas, a hipoteca figurou como uma das principais formas de garantia para o financiamento para grande parte dos empreendimentos imobiliários entregues no Brasil.
Todavia, considerando a massiva utilização da garantia hipotecária, o aparecimento de litígios foi inevitável.
Dentre as principais questões levadas à apreciação do Judiciário, estava a discussão sobre a validade da garantia hipotecária firmada entre a construtora e o agente financeiro em detrimento do terceiro adquirente de determinada unidade.
Foram tantos os litígios que, visando a uniformização dos entendimentos jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula nº 308, consolidando o entendimento no sentido de que a hipoteca, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, firmada entre a construtora e o agente financeiro não tem eficácia perante o adquirente do imóvel.
Sem sombra de dúvidas, o referido entendimento visa resguardar o adquirente do imóvel que, segundo ao STJ, não poderia ser responsabilizado pelo débito da construtora junto à instituição responsável por financiar o empreendimento, restando a este apenas a responsabilidade pela quitação do preço estipulado para aquisição do bem.
Para melhor compreensão das consequências de tal entendimento, necessário segmentar a análise do texto sumulado pela Superior Tribunal de Justiça.
Com relação às hipotecas firmadas em momento posterior ao contrato de compra e venda do imóvel, em que pese a titularidade do bem legalmente permanecer em nome da incorporadora até que haja o registro em matrícula junto competente Cartório de Registro de Imóveis, o entendimento jurisprudencial não poderia ser outro, visto que no momento de aquisição do imóvel, a negociação pautou-se em imóvel no qual não recaía nenhum ônus.
Além disso, a boa-fé exigida nas relações comerciais representa fator impeditivo para que após vender determinada unidade, o incorporador venha a oferecer o mesmo bem em garantia a terceiro.
Entretanto, como exposto anteriormente, o entendimento sumulado não se limitou às hipotecas firmadas em momento posterior à aquisição do imóvel por terceiro de boa-fé.
Entendeu o STJ que as hipotecas firmadas pela construtora e o agente financeiro, em momento anterior ao ato de venda a terceiros, mesmo que devidamente registrada na matrícula do imóvel, também não possuem eficácia com relação ao adquirente do bem.
Com tal entendimento, mesmo que de forma indireta, a garantia hipotecaria acabou sendo retirada do rol das garantias reais e transportada para o segmento das garantias pessoais, visto que oponível apenas em face da incorporadora e sem lastro em qualquer bem específico.
Dentre as principais características das garantias reais, reside o fato de que ela, após observados os requisitos formais, recai sobre determinado bem, produzindo efeito erga omnes.
Já com relação às garantias pessoais, como sugerido pelo próprio nome, o negócio celebrado não encontra lastro em determinado bem, mas sim na pessoa que contraiu a obrigação.
Ao contrário do cenário em que se negocia imóvel sem qualquer ônus, havendo constituição de garantia hipotecária em momento anterior à venda do bem a terceiro, não há o que falar em desconhecimento acerca da situação do imóvel.
Neste cenário, torna-se perfeitamente possível a negociação entre o adquirente e a incorporadora, pois sabedores das condições e riscos do negócio podem estipular garantias diversas ou, inclusive, compensar eventuais riscos com o abatimento de preço.
Todavia, com relação ao agente financeiro, o texto sumulado traz apenas a insegurança acerca validade da garantia anteriormente pactuada.
Não é segredo que fator fundamental considerado para compor o custo crédito está atrelado ao risco do negócio.
Desta forma, ao reduzir a garantia de recebimento livremente pactuada entre a incorporadora e o agente financeiro, o Poder Judiciário contribui para criação de um cenário de incertezas, o que, consequentemente, acarreta no encarecimento do custo do crédito.
Portanto, sendo maior o custo para obtenção de crédito em decorrência dos riscos do negócio, consequentemente o preço final para aquisição do imóvel será afetado, arcando a totalidade dos consumidores com os custos para proteção daqueles que, mesmo cientes da existência de gravame anterior registrado na matrícula do imóvel, houveram por bem adquiri-los, pois cientes de que o entendimento jurisprudencial lhes é favorável.