Banco consegue cancelar pagamento de condenação por terceirização ilegal
Publicado no Valor Econômico, dia 24 de abril de 2019
Uma instituição financeira conseguiu anular uma condenação trabalhista pouco antes da fase de pagamento (execução), com base no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou lícita qualquer forma de terceirização. A decisão, da 5ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, só foi possível graças à utilização pela defesa do banco de um instrumento processual previsto pelo novo Código de Processo Civil (CPC), de 2015, que estabelece essa possibilidade para situações excepcionais.
Por meio do mecanismo chamado de exceção de pré-executividade (artigo 525), pouco disseminado na Justiça do Trabalho, a instituição financeira, ligada a um rede de supermercados, conseguiu se livrar do pagamento de R$ 175 mil a uma trabalhadora. “O cheque já estava praticamente na mão da reclamante quando conseguimos a decisão”, diz o advogado Caio Madureira, que assessorou a instituição financeira juntamente com Rodrigo Macedo, ambos do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados.
Com o sucesso obtido nesse primeiro caso, os advogados afirmam que devem usar essa mesma argumentação em cerca de 300 processos similares. O caso analisado pelo juiz Jésser Gonçalves Pacheco, da 5ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, é de uma ex-funcionária que oferecia o cartão de crédito do banco para os clientes da rede de supermercados. Ela alegou que era ilicitamente terceirizada e na verdade trabalhava para a instituição financeira como correspondente bancária.
Em primeira e segunda instâncias, a terceirização foi considerada ilícita. Foi reconhecido o vínculo de emprego com o banco e determinado o pagamento de horas extras pelo fato de a jornada de bancário ser menor, de cinco horas. Ela cumpria oito horas. A decisão foi mantida no Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Como na época em que o Supremo julgou o tema da terceirização (RE 958.252 e ADPF 324), em agosto de 2018, ainda não havia sido emitida a certidão de trânsito em julgado – quando não cabe mais recurso -, os advogados da instituição entraram com o pedido de exceção de pré-executividade, o que foi aceito pelo juiz da execução, Jésser Gonçalves Pacheco.
O magistrado considerou, na sua decisão, o que diz o artigo 884, parágrafo 5º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), desde 2001. De acordo com o dispositivo “considera-se inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal”.
Segundo o magistrado, a inexigibilidade do título se dá quando o posicionamento do STF é publicado antes do transito em julgado da decisão. Como a certidão é posterior à decisão dos ministros, publicada no dia 22 de fevereiro, ele considerou que seria o caso de extinguir a ação, com exceção do pagamento das férias em dobro, que não tem relação com a questão da terceirização (RTOrd 0010 226-84.2016.5.03.0005).
Para o advogado Caio Madureira, o impacto financeiro da decisão é relevante. Eram frequentes, acrescenta, as ações trabalhistas para responsabilizar as tomadoras de serviços. Nesse caso, segundo ele, a ex-empregada, que trabalhou por um ano e oito meses e recebia salário de R$ 1 mil, teria direito a cerca de R$ 175 mil por ter sido considerada funcionária da instituição financeira. Procurado pelo Valor, o advogado da trabalhadora não deu retorno até o fechamento da edição.
O uso da exceção de pré-executividade não é possível, porém, para as decisões que já foram finalizadas (transitaram em julgado). Para esses casos, os advogados cogitam entrar com as chamadas ações rescisórias. Porém, para o caso da terceirização ainda precisam aguardar o trânsito em julgado da ação no Supremo e eventual modulação dos efeitos.
O advogado Daniel Chiode, do escritório Chiode Minicucci Advogados, cogita entrar com ações rescisórias sobre o tema. Ele afirma que a decisão do juiz de Belo Horizonte avançou em relação ao que foi decidido pelo STF, uma vez que os ministros declararam a inconstitucionalidade de parte da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que proibia a terceirização de atividade-fim, mas preservaram a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços.
“É uma decisão ousada [da 5ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte] que pode vir a ser reformada pelo tribunal de segunda instância, embora seja coerente e possa ter esse ponto esclarecido quando o Supremo tratar da modulação”, diz Chiode.
A possibilidade de reverter decisões sobre terceirização tem chamado a atenção de empresas, principalmente daquelas que foram condenadas em ações civis públicas milionárias apresentadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Porém, o procurador Paulo Joarês, coordenador nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do MPT, destaca que a decisão do STF é restrita à questão da atividade-fim.
“Muitos processos envolvem outros aspectos, como a intermediação de mão de obra, por exemplo, que só é lícita nas hipóteses de trabalho temporário, o que não foi modificado”, afirma o procurador.
Joarês ainda ressalta que existem vários aspectos sobre o alcance e efeitos da decisão do STF que precisam ser esclarecidos pelos ministros, por meio de embargos de declaração que poderão ser interpostos a partir da publicação do acórdão. Além disso, o procurador lembra que estão pendentes de julgamentos as ações diretas de inconstitucionalidade contra as leis nº 13.429 (que regulamentou a terceirização) e nº 13.467 (reforma trabalhista), ambas de 2017, que não se limitam à discussão sobre a atividade-fim.