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    Justiça gratuita não livra trabalhador de pagar honorários

    Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, considerou a possibilidade de se reunir recursos suficientes até o fim do processo

    Caio Madureira: “Decisão de Moraes deixa claro que o STF, em nenhum momento, vedou o pagamento de honorários de sucumbência pelos beneficiários da justiça gratuita” — Foto: Silvia Zamboni/Valor

    O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que um beneficiário de justiça gratuita pague os chamados honorários de sucumbência – recolhidos ao advogado da parte contrária. O entendimento, em uma primeira reclamação sobre o tema, foi o de que a segunda instância descumpriu decisão do STF.

    O posicionamento do ministros, segundo especialistas, pode corrigir rotas. Isso porque, após o julgamento do Supremo sobre o tema, juízes do trabalho passaram a, automaticamente, vetar a cobrança de honorários de quem tem direito à gratuidade.

    No caso, Moraes determinou ao Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) a cassação da decisão e a formulação de uma nova, nos termos do julgado do STF (Rcl 60.142).

    Em outubro de 2021, os ministros julgaram a ADI 5766, proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que questionava o pagamento de sucumbência pelos beneficiários da justiça gratuita, imposto pela reforma trabalhista (Lei nº 13.467). Por maioria, declararam inconstitucionais o parágrafo 4º e caput do artigo 790-B e parágrafo 4º do artigo 791-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

    Esses dispositivos diziam que o beneficiário da justiça gratuita, desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa, ficarão com o pagamento de honorários de sucumbência suspensos. E somente poderão ser executados se, nos dois anos subsequentes ao término da ação, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos.

    Contudo, após a publicação do inteiro teor do acórdão, ficou claro que apenas parte do artigo 791-A foi considerada inconstitucional: “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”. Na prática, não poderia haver um desconto automático do que o trabalhador recebeu no processo ou em outra ação para o pagamento de honorários.

    Ficou mantido o pagamento de honorários sucumbenciais para os beneficiários da justiça gratuita, “desde que deixem de ser hipossuficientes após o fim do processo, em um prazo de dois anos”.

    Para os advogados autores da reclamação, Caio Madureira e Rodrigo Macedo, do Tortoro, Madureira e Ragazzi Sociedade de Advogados, a decisão é importante porque muitos magistrados de primeira e segunda instâncias tinham entendido que o Supremo havia declarado inconstitucional qualquer cobrança de honorários de sucumbência de beneficiários da Justiça gratuita. “Os juízes, de maneira reiterada, têm adotado uma interpretação equivocada”, diz Madureira.

    O escritório, no caso, recorreu ao Supremo de uma decisão da 7ª Turma do TRT-MG, que não fixou honorários sucumbenciais sobre os pedidos julgados improcedentes, em uma ação entre um banco e uma ex-funcionária. Ela pedia desconsideração de cargo de confiança, horas extras, intervalo intrajornada, gratificações e PLR, entre outros.

    Como o processo envolve milhões de reais, pode gerar uma quantia expressiva de honorários de sucumbência. Desde 2017, com a reforma trabalhista, o trabalhador passou a estar sujeito a ter que desembolsar de 5% a 15% sobre as verbas não concedidas pela Justiça (artigo 791-B).

    Ao analisar a reclamação, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que, no julgamento da Corte, em outubro de 2021, declarou-se a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 13.467, de 2017, “reconhecendo-se legítima a responsabilidade do beneficiário pelo pagamento de ônus sucumbenciais em situações específicas”. Segundo ele explica, caso venha reunir recursos suficientes no fim do processo.

    Para o ministro, a Corte “vedou foi o automático afastamento da condição de hipossuficiência da parte como consequência lógica da obtenção de valores em juízo, e não a possibilidade de haver condenação em honorários advocatícios (os quais podem ser arbitrados, ficando sob condição suspensiva de exigibilidade)”.

    De acordo com Caio Madureira, apesar de a decisão de Moraes valer apenas para as partes envolvidas, ela deixa claro que o Supremo, em nenhum momento, vedou o pagamento de honorários de sucumbência pelos beneficiários da justiça gratuita.

    Rodrigo Macedo ainda destaca que a previsão de pagamento, instituída com a reforma trabalhista, moralizou a Justiça do Trabalho. “Isso desestimula a litigância desenfreada”, diz.

    O advogado Maurício Pessoa, do Pessoa Advogados, considera que a decisão deixa evidente que esses honorários podem ser cobrados, desde que se prove no processo que não há mais a condição de hipossuficiência. Para isso, pode-se apresentar provas de valores recebidos no processo ou em outros, ou pedido de declaração de Imposto de Renda e fotos em redes sociais, que comprovem padrão de vida incompatível com a condição de hipossuficiente.

    Já na visão da professora da PUC-SP e advogada trabalhista Fabíola Marques, do Abud Marques Sociedade de Advogadas, um beneficiário da justiça gratuita não poderia ter nenhuma cobrança, seja de custas, perícia ou de honorários de sucumbência. Para ela, ganhar valores significativos em um processo ou em outro não demonstram que se deixou de ser hipossuficiente, porque pode ter dívidas a pagar.

    Segundo o advogado José Eymard Loguercio, do LBS Advogadas e Advogados, que assessorou a Central Única dos Trabalhadores (CUT) no julgamento do STF, quando o acórdão foi publicado essa questão ficou contraditória. Tanto que a Procuradoria-Geral da República ingressou com embargos declaratórios. “Embora tenham sido rejeitados, o relator esclareceu a extensão menor da declaração de inconstitucionalidade”, diz.

    O posicionamento do Supremo, afirma Loguercio, ainda que tenha mitigado os efeitos mais deletérios da reforma, não condiz com uma Justiça do Trabalho que tenha por objetivo examinar casos de trabalhadores que, em geral, buscam parcelas, ainda que controvertidas, de natureza salarial. “A particularidade da Justiça do Trabalho é o atendimento de causas de pessoas que perderam emprego”, diz.

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