Legislação regula multipropriedade
Guilherme Zauli é coordenador da área de direito imobiliário do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados
Publicado no jornal Valor Econômico, dia 12 de março de 2019
No início de fevereiro deste ano entrou em vigor a Lei nº 13.777/2018, sancionada no fim do ano passado, que institui no Brasil a multipropriedade de bens imóveis.
Em um primeiro olhar, o leitor pode questionar qual seria tal inovação, haja vista que no Brasil já é perfeitamente possível que determinado bem imóvel possua mais de um proprietário devidamente registrado em matrícula.
Ao contrário do que já é praticado atualmente, a multipropriedade de bens imóveis não versa sobre a fração ideal de cada imóvel. A referida inovação normativa traz a possibilidade de diversas pessoas se tornarem proprietárias de 100% do imóvel durante determinado período do ano.
A inovação traz a possibilidade de diversas pessoas se tornarem proprietárias de 100% do imóvel por um período do ano
Tal prática, bastante comum nos Estados Unidos (time sharing), consiste na aquisição do que lei denomina de “unidades periódicas” referentes a determinado bem imóvel.
Ao adquirir tal unidade periódica, o indivíduo passa a figurar como proprietário do imóvel em certo período de tempo que nunca deverá ser inferior a 7 dias durante um ano.
Assim, considerando o período mínimo de 7 dias, a referida legislação possibilita a divisão de um imóvel em até 52 unidades periódicas, sendo perfeitamente possível a aquisição de quantas unidades o investidor houver por bem, o que consequentemente, influenciará no período de gozo que a parte fará jus durante o ano.
No que tange ao período de utilização de cada proprietário, a legislação prevê a possibilidade de (I) datas fixas e determinadas, no mesmo período de cada ano; (II) datas flutuantes, caso em que a determinação do período será realizada de forma periódica, mediante procedimento objetivo que respeite, em relação a todos os multiproprietários, o princípio da isonomia, devendo ser previamente divulgado; ou, por fim, (III) datas mistas, combinando os sistemas fixo e flutuante.
Com o advento da nova lei, será possível instituir a multipropriedade em todos os tipos de empreendimentos imobiliários existentes, porém para instituição em condomínios edilícios será necessária expressa previsão no instrumento de instituição do condomínio ou mediante a deliberação da maioria absoluta dos condôminos em assembleia.
Sobrevindo a constituição de multipropriedade, obrigatoriamente será criada uma matrícula imobiliária mãe, na qual constará a descrição da integralidade do imóvel, fazendo menção ao regime adotado.
Cada unidade periódica será registrada de forma individual em documento derivado da matrícula mãe. Isso garante aos proprietários que eventuais débitos referentes a tributos e contribuições condominiais, alcancem apenas o proprietário daquela cota, como também possibilita o livre exercício dos direitos inerentes à propriedade, sendo perfeitamente possível a cada proprietário dispor de sua unidade ou dá-la em garantia de eventual linha de crédito.
Assim, cumpre esclarecer que cada detentor de unidade periódica ficará responsável pelo pagamento de IPTU e eventuais taxas condominiais referentes apenas a cota parte que lhe couber.
Outro ponto que poderá ensejar dúvidas a quem pretenda investir na referida modalidade de negócio, trata sobre a responsabilidade por eventuais danos causados ao imóvel, como também, ao mobiliário que guarnecer o bem.
A legislação estipula que eventuais danos decorrentes de depreciação relativas ao tempo deverão ser suportados por todos os proprietários, na proporção de cada unidade periódica que possuir. Já com relação a eventuais danos causados por má-utilização, serão imputados exclusivamente ao responsável pelo período em que o dano ocorreu.
Por se tratar de modalidade de negócio inédita no Brasil, objetivando conferir maior segurança jurídica ao tema, a legislação aprovada versa sobre situações específicas que os adquirentes poderão enfrentar com o decorrer do tempo, como o atraso por parte de determinado proprietário na desocupação do imóvel, o que poderá causar prejuízos aos demais detentores de unidades periódicas.
Caso tal hipótese venha a ocorrer, a lei estipula o pagamento de multa diária em favor do proprietário que vier a ser prejudicado.
Obviamente ao arbitrar tal quantia, o juiz responsável por julgar a causa, deverá estipular valor suficiente para cobrir os valores inerentes às diárias ocupadas indevidamente, como também, para servir de sanção punitiva-pedagógica, visando coibir a reincidência de tal prática.
Outra situação específica já prevista pela nova norma, trata sobre eventual inadimplência por parte de proprietário de unidade período em empreendimento submetido a regime de pool (exploração do imóvel como unidade hoteleira).
Em tais casos, o proprietário poderá ser impedido de usufruir do período referente à sua unidade periódica, para que os rendimentos produzidos pela locação do imóvel em tal período, respondam pelos eventuais débitos existentes.
Portanto, torna-se nítida a preocupação do legislador ao tentar prever as possíveis problemáticas que surjam com o advento da nova lei, visando resguardar aqueles que pretendam investir em tal modalidade, conferindo maior segurança jurídica ao novo tipo de negócio e, consequentemente, colaborando com o aquecimento do setor imobiliário.