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    Metaverso, direito e tecnologia: existe limite para o mundo virtual?

    14 de julho de 2022, por Lúcia Helena Polleti Bettini, sócia do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados

    Os avanços científicos e tecnológicos na era digital e da realidade virtual estão a promover mudanças profundas em nossas vivências e experiências, que em muito se aproximam do que foi proposto pela física quântica com a experimento de Shrödinger na primeira metade do século 20 — 1935. Ou seja, a possibilidade de estar em mais de um espaço ao mesmo tempo, no nosso caso, no espaço real e no virtual. As discussões mais recentes sobre metaverso nos apontam para uma situação emergente e, conforme Petry (2015): “Metaverso se encontra no rumo dos atuais acontecimentos da civilização, como resultado de processo técnico evolutivo conceitual, cultural e econômico”.

    Nesse contexto, afirma-se que já estamos a vivenciar essas experiências que, modestamente, nos foram ofertadas em jogos com o advento da internet, e de maneira mais intensa em decorrência da pandemia do coronavírus, se estabeleceu o momento preciso e adequado para que empresas apresentassem as múltiplas possibilidades de vivências paralelas conforme os desejos de cada usuário, sujeito digital, com a justificativa de melhorar em muito vários aspectos da vida, especialmente em fase de distanciamento social, conforme as suas necessidades reais ou irreais, que orientam uma infinidade de possibilidades digitais.

    O metaverso aparece como realidade paralela e emergente que vem ancorada no mundo virtual e internet, local de realizações de várias experiências, mas não fisicamente, e sim virtualmente, por meio de avatares que nos representam, cada vez mais próximos de nossa aparência real, com o somatório de todas as características desejadas pelas pessoas que irão dessa experiência digital participar.

    Compras virtuais, reuniões, shows, viagens, visitas a lojas, investimentos que incluem até compra de terrenos nesse espaço virtual e outras múltiplas possibilidades estão sendo ofertadas, inclusive com a utilização das criptomoedas ou por protocolo de confiança, blochchaim. 

    Reafirmamos grande favorecimento e aceleração pelo cenário pandêmico, no qual houve fortes restrições até que recebêssemos as vacinas.

    O fato é que ele já está a acontecer em patamares muito maiores do que se pode pensar e sem muito dos medos que a vida real apresenta, especialmente pela segurança alcançada em processo de digitalização, no qual dados são codificados.

    Parece que estamos a nos aproximar de um mundo ideal ou pelo menos idealizado, vez que, por meio da imaginação, tanto as nossas características como pontos frágeis podem ser suprimidos ou modificados, sem desgastes físicos ou psíquicos, mas não excluem os financeiros. Pois estamos a identificar produtos e serviços, mas num formato ou suporte diferente, intangível que se dá pela experiência de extensão do mundo real, além dele e sem suas limitações, com uma infinidade de sensações e situações possíveis que só mundo virtual pode ofertar.

    Destaque-se ponto forte da utilização do metaverso que vai ao encontro da Lei Brasileira da Inclusão e conceito social de pessoa com deficiência que, por intermédio das tecnologias assistidas e realidade virtual, tem as suas vivências de forma inclusiva, com menos discriminações negativas que os afastam de muitas relações interpessoais e inviabilizam as experiências com e nos espaços.

    Realmente, estamos diante de grande avanço por meio da tecnologia que prepara o ambiente para receber as diferenças e viabilizar no plano macro a cultura do conceito ou visão social de direitos humanos, que foi conquistada tanto na Convenção sobre os Direitos da Pessoa com deficiência, como no âmbito interno de nosso Estado, pela Lei Brasileira da Inclusão, Lei nº 13.146/2015. A liberdade também pode ser alcançada pelos que têm deficiências ou limitações funcionais, muito próximo do que acontece pela personagem do filme “Avatar”.

    O espaço digital se apresenta como ambiente inclusivo por excelência nesta discussão de implementação do conceito social de pessoa com deficiência.

    Também podemos citar as experiências que são facilitadoras da sustentabilidade ambiental, desde as questões que envolvem a diminuição de poluição, energia limpa, a mobilidade nas cidades, entre outras, são viabilizadas por pequenas mudanças de comportamentos que favoreçam o desenvolvimento econômico e a implementação de seus princípios fundantes e limites.

    Ainda como primeiras observações, mas com identificação de ponto frágil, constata-se que, pela fuga de enfrentamento da realidade há reforço negativo na manutenção no estado de falta de autoconhecimento, tão importante para buscarmos nossa evolução e cuidarmos dos novos desafios, mas estão a nos ofertar um mundo virtual que não demanda buscas profundas do self, da essência, para ter experiências interrelacionais.

    Corrigir virtualmente o que não nos agrada é capaz de trazer o aprimoramento psíquico e moral que cuidamos durante todo o processo vital? A falta das vivências reais nos aproximaria cada vez mais das experiências líquidas, tal como foram desenvolvidas por Bauman e nos afastaria da humanidade?

    Soma-se a isso a aplicação do sistema de proteção e defesa do consumidor, especialmente no que lhe é fundamental e princípio, a vulnerabilidade do consumidor e, em especial a propaganda enganosa. Em regra, não estaremos diante de hipossuficientes econômicos, mas a hipossuficiência pode ser encontrada em outras dimensões como a jurídica, educativo-culturais, sendo que tais escolhas podem carecer da necessária tomada de consciência para o ingresso no mundo virtual, local no qual, supostamente, saímos fortalecidos pela retirada ou aprimoramento de aspectos físicos, biológicos e emocionais que não nos interessem.

    Nesse contexto de ausência de verossimilhança, o reconhecimento da vulnerabilidade e hipossuficiência em narrativas imersivas e interativas que são digitalizadas deve, além das referências constitucionais da proteção de dados e da proteção e defesa do consumidor, se submeter ao compliance e aos códigos de conduta a orientar para respeito aos valores que são muito caros ao nosso Estado.

    Gostaria de ressaltar que apesar da referência do mundo digital, instrumentalizado pela internet, a premissa da proteção das liberdades são as orientadoras das democracias constitucionais, mas há limites expressos e decorrentes do texto constitucional a se observar e respeitar, portanto, não ficaremos adstritos ao microssistema de defesa do consumidor, pois a este se soma obrigatoriamente os fundamentos e princípios da ordem econômica e financeira que devem ser conjugados com as referências da ordem social, como os princípios da radiodifusão aos meios eletrônicos, ou seja, o metaverso também deve se ater ao caráter informativo-educativo e cultural, permeado pelos valores sociais da pessoa e da família, além de, com sua oferta, propiciar a valorização trabalho, de forma a promover justiça social e vida digna.

    Por fim, viver as duas realidades, tal como proposto pela física quântica no experimento de Shröndinger permanece com a mesma limitação, pois o observador só pode dar atenção a uma das vidas, no metaverso, a escolha também é do observador e participante dessas relações, a virtual ou a real. Confundir esses espaços é o problema, ainda que o processo de digitalização envolva codificação, o que inclui os sujeitos digitais, só se resolve com o sair da “Matrix”, ou seja, a escolha é do sujeito digital e os limites são muito necessários e indispensáveis para evitar abusos e mais dificuldades com o processo evolutivo de cada um de nós, pois na oferta de produtos e serviços existe a intencionalidade de manutenção ou superexaltação do poder, seja ele político ou econômico, tanto no mundo real como no virtual.

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