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    O julgamento do Tema 1.095 e suas possíveis consequências aos consumidores

    01° de Abril de 2022, Guilherme Zauli é especialista em Direito Imobiliário do Tortoro, Madureira e Ragazzi Advogados.

    Em razão da crise trazida pela pandemia de COVID-19, o aumento dos índices de inadimplência foi inevitável, acarretando na elevação do custo de crédito, cenário também enfrentado pelo mercado imobiliário.

    Analisando a trajetória da SELIC é possível constatar significativo aumento durante o período de março/2021, quando o percentual praticado era de 2% ao ano, passando para os 10,75% ao ano, praticados atualmente.

    Por ser considerada a taxa básica de juros da economia, a SELIC possui relação direta com o aumento do custo de crédito, impactando a vida financeira de todos os brasileiros.

    Neste cenário tornou-se inevitável o encarecimento do custo do crédito imobiliário, saindo do percentual de juros anual médio de 6,96% quase um ano atrás para 9,33%, representando um aumento de 2,37%.

    Porém, não só a fatores da economia o custo do crédito encontra-se atrelado, outros fatores externos, porém tão importantes quanto, apresentam interferência direta no custo e também na viabilidade de oferta acerca de determinados produtos financeiros à população.

    Com relação ao mundo do Direito, a temida insegurança jurídica possui papel de destaque na contribuição para o aumento do custo de crédito.

    Vale citar como exemplo o entendimento firmado pelo Poder Judiciário acerca da ausência de eficácia da garantia hipotecária firmada entre a incorporadora e o agente financeiro, devidamente registrada na matrícula do imóvel, com relação ao adquirente do imóvel (Súmula nº 308 do Superior Tribunal de Justiça).

    Em que pese o intuito de proteção do consumidor, a sedimentação do entendimento em questão acarretou efeito contrário para a maioria dos consumidores, visto que com o enfraquecimento da garantia, consequentemente, o custo do crédito aumentou, haja vista o maior risco do negócio, inviabilizando, portanto, o acesso ao empréstimo à população de menor renda.

    Visando novamente expandir a abrangência do crédito, com o advento da lei 9.514/97, em substituição à fragilizada garantia hipotecária, o setor financeiro passou a ofertar a possibilidade de realização de financiamentos imobiliários com garantia fiduciária.

    A referida modalidade prevê a liberação de valores utilizando como garantia o próprio bem imóvel a ser adquirido ou outro que eventualmente o consumidor seja proprietário.

    Até que haja o adimplemento integral do contrato, a propriedade resolúvel do imóvel é transferida ao credor como garantia da obrigação assumida.

    Tal modalidade de garantia possui características capazes de minimizar quase que completamente os riscos de eventual inadimplência, dentre as quais, a previsão expressa de que em caso de não pagamento do contrato, eventuais valores pagos serão devolvidos ao consumidor apenas na hipótese do imóvel ser vendido em um dos dois leilões obrigatórios por lei, cenário em que se o valor da arrematação superar o valor da dívida, tal sobejo será restituído pela instituição financeira ao tomador do empréstimo.

    Caso assim não fosse, na hipótese de a instituição financeira restar obrigada a proceder com a restituição de valores em favor do devedor, sem ocorrer a alienação do bem nos leilões exigidos por lei, esta, mesmo não tendo recebido a integralidade do crédito concedido, restaria compelida a dispor de liquidez financeira para, em contrapartida, adjudicar o imóvel ofertado inicialmente como garantia da dívida.

    Vale destacar que a administração de bens imóveis não configura atividade fim de nenhuma instituição financeira, acarretando custos inerentes ao recolhimento de tributos, pagamentos condomínios, realização de obras e reformas urgentes.

    Recentemente o Superior Tribunal de Justiça afetou o Tema 1.095 para “definição da tese alusiva à prevalência, ou não, do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de resolução do contrato de compra e venda de bem imóvel com cláusula de alienação fiduciária em garantia“, determinando a suspensão de todas as demandas pendentes que versem a questão.

    A eventual incidência do Código de Defesa do Consumidor nos contratos garantidos por alienação fiduciária teria o condão da exata consequência explanada acima, qual seja, a obrigatoriedade de restituição dos valores pagos em caso de inadimplência do devedor.

    Tal julgamento se deve ao fato de que o artigo 53 do CDC prevê que “nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”

     Todavia, importantes considerações devem ser observadas.

    Ao contrário do que estabelece o Código Consumerista, a impossibilidade de restituição de valores pagos pelo devedor não decorre de cláusula contratual, mas sim de legislação específica, qual seja, a lei 9.514/97.

    Além disso, outro fato com entendimento já sedimentado pelos Tribunais de Justiça Estaduais, refere-se ao princípio da especificidade das normas jurídicas, o qual determina que haverá a prevalência da norma especial sobre a geral.

    Assim, havendo legislação específica regulamentando a garantia fiduciária, determinada legislação mais abrangente (como é o Código de Defesa do Consumidor) não poderia ser utilizado para impugná-la.

    Por fim, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) prevê expressamente em seu artigo 2º que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

    Portanto, sendo a lei que institui e regula a garantia fiduciária (1997) posterior ao Código de Defesa do Consumidor (1991), novamente resta demonstrada a impossibilidade de intervenção do Poder Judiciário para determinar que as instituições financeiras passem a restituir valores eventualmente pagos por seus consumidores em caso de inadimplência, com exceção à hipótese já prevista na lei 9.514/97.

    Caso entenda de forma diversa na oportunidade de julgamento do Tema 1.095, o Poder Judiciário, em detrimento da maior parcela dos consumidores que encontram-se em dia com suas obrigações contratuais, beneficiará as partes inadimplentes, fazendo jus à restituição de valores, o que inicialmente não era previsto em contrato e nem aceito pela legislação, portanto configurável como absoluta insegurança jurídica capaz de impactar negativamente o custo do crédito colocado à disposição de toda a população.

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