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    Os desafios de um código brasileiro de energia

    Os desafios de um código brasileiro de energia

    Por Carlos Augusto Tortoro Jr., sócio do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados

    Uma comissão especial da Câmara do Deputados está discutindo atualmente a elaboração de um projeto de lei que culminará na criação de um código brasileiro de energia elétrica. Essa iniciativa encontra terreno fértil para a unificação de normas esparsas, mas ao mesmo tempo também enfrenta desafios relativos à dinâmica do desenvolvimento tecnológico e a convergência de conceitos com outras codificações legais.

    Não é novidade que o Brasil possui um arcabouço legislativo complexo, com uma infinidade de leis, decretos e resoluções em todas as esferas da federação. Muitas vezes, essa miríade suscita contradições no tratamento de um mesmo tema, o que, consequentemente, gera a tão “famosa” judicialização e insegurança jurídica, sem contar o impacto em todos os setores da economia nacional. Também é válido destacar a existência do tratamento casuístico de certas questões que não leva em consideração os reflexos na sociedade civil e no mercado.

    A coalização e unificação da legislação poderá tornar mais claro e compreensível o ambiente de negócios
    Com o setor de energia não é diferente. Nas últimas três décadas a evolução normativa criou uma infinidade de regras e resoluções que atrapalham ou no mínimo tornam obscuro o ambiente de negócios para os investidores e gestores dos agentes de mercado. Não se nega que uma parte considerável das normas tiveram e tem a intenção de desenvolver o segmento. Contudo, a multiplicidade de tratamento legal não cria um ambiente de segurança jurídica.

    Especificamente, com relação à energia elétrica, essa situação torna-se ainda mais duvidosa. Isso porque se comparado a outros setores econômicos, esse mercado específico é multilateral, contando, ainda, com episódios tão peculiares que não se compara a outras indústrias, tais como: monopólios naturais; rateios de riscos no mercado livre; tratados internacionais de geração; quotas obrigatórias; submercados e um sistema interligado nacional.

    As alterações legais e a pulverização de normas afetam sobremaneira o setor de energia elétrica, por conta de sua multilateralidade que abrange toda a cadeia produtiva, na medida em que geração, transmissão e distribuição estão interligados.

    Por isso, o desenvolvimento de um código brasileiro de energia elétrica pode ser um bálsamo para o segmento, tal como proposto pela comissão especial da Câmara dos Deputados (Requerimento nº 02/2019 – deputado federal Arnaldo Jardim). Entretanto, a unificação de leis não pode engessar a dinâmica de um mercado que vivencia mudanças tecnológicas gigantescas e está se adaptando a uma nova sistemática disruptiva de se fazer negócios.

    Um anteprojeto de lei (nº 1/2019) foi apresentado no último dia 9 para recebimento de contribuições da sociedade civil e agentes do setor. O texto, infelizmente, não traz qualquer novidade ou inovação, transparecendo apenas uma compilação do que já existe. Obviamente, tratava-se de um conteúdo prévio, embora, fosse esperado mais dinamismo.

    A estrutura desse código deve integrar e englobar toda produção e consumo, a fim de propiciar um tratamento igualitário entre todos os envolvidos. Além disso, precisa viabilizar o aperfeiçoamento do mercado e permitir a absorção de recursos inovadores e tecnológicos, a fim de não correr o risco de se transformar em um obstáculo evolutivo e na contramão dos esforços de modernização do setor elétrico.

    Por outro lado, a elaboração desse projeto deve ter como premissa a coerência com a disposição de outras codificações, a exemplo do Código Civil e da Lei de Recuperação Judicial e Falência. Essa aproximação permitirá que o segmento de energia seja amplamente compreendido pela sociedade civil, não obstante a sua especificidade, preparando caminho para a abertura do mercado de livre de energia a todos os consumidores.

    Seria prudente, inclusive, ao legislador dar tratamento claro e definido a forma de acesso, estabelecendo condições e os meios adequados. Mas o tratamento da inadimplência também não pode ser esquecido por seu impacto relevante no ambiente multilateral, cujos riscos são rateados entre os participantes credores.

    A adequação à Lei de Recuperação Judicial e Falência também é de primeira ordem. É inegável que se trata de um insumo fundamental para qualquer atividade empresarial. Contudo, o acesso dessas companhias, em situação de recuperação financeira, ao mercado pode agregar um risco demasiado grande, se não existir previsão de um tratamento privilegiado aos créditos decorrentes de contratos de venda e compra de energia elétrica.

    Outro ponto sensível e de importância para a coexistência de uma codificação setorial é sua consonância com o Código de Defesa do Consumidor, sem o qual a sua legitimidade fatalmente será impugnada na esfera judicial. Nestes termos, é essencial conter todas as diretrizes que orientam a legislação consumerista, prezando por um equilíbrio entre fornecedor e cliente, de modo a ensejar uma relação madura e confiável entre agentes econômicos e sociedade civil.

    Nos tempos em que a geração distribuída tem ganhado mais espaço e transformado o consumidor em um tipo de agente independente, o código brasileiro de energia elétrica não pode se furtar de um tratamento pormenorizado sobre o assunto. A chave é estabelecer qual a caracterização daquele indivíduo que passar a ser um fornecedor de energia elétrica ao sistema e, ao mesmo tempo, mantém-se como destinatário final de um serviço.

    Enfim, a coalização e unificação da legislação específica do segmento de energia elétrica poderá gerar bons frutos, especialmente ao tornar mais claro e compreensível o ambiente de negócios, fornecendo segurança jurídica ao investidor e agentes econômicos, bem como assegurando direitos à sociedade e aos consumidores em geral.

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