Participação nos lucros e resultados: superação da Súmula 451 do TST
28 de março de 2021, por Rodrigo Souza Macedo, advogado e sócio do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados
Atualmente talvez esse seja um dos temas mais delicados no campo do direito do trabalho, pois envolve um debate antigo sobre autonomia privada coletiva e a garantia do reconhecimento das convenções e acordos coletivos do trabalho como instrumentos de autocomposição e pacificação de conflitos trabalhistas (art. 7º, XXVI, da CF).
A Participação nos Lucros ou Resultado (PLR) encontra fundamento no artigo 7º, XI, da CF e na Lei 10.101/2000, podendo ser conceituada como um instrumento de integração entre o capital e o trabalho com incentivo à produtividade, cuja regras, necessariamente, devem ser objeto de negociação entre a empresa e seus empregados mediante a constituição de uma comissão paritária escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria, ou por meio de convenção ou acordo coletivo.
Neste instrumento coletivo deverão constar regras claras e objetivas quanto à fixação dos direitos substantivos da participação, inclusive mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado, periodicidade da distribuição, período de vigência e prazos para revisão do acordo.
A PLR, portanto, possui previsão constitucional em norma de eficácia limitada, cuja regulamentação dada pela Lei 10.101/2000 outorgou às partes (empregadores e empregados) o direito de conjuntamente criarem regras para disciplinar o programa, o que inclui, evidentemente, a definição de critérios de elegibilidade dos empregados para recebimento da parcela.
Pelo fato transcender o campo do chamado “patamar civilizatório mínimo” dos trabalhadores, os critérios de elegibilidade da PLR podem ser livremente pactuados pelas partes envolvidas, alcançando desde aspectos temporais de vigência do contrato de trabalho para fins de percepção do benefício, até modalidades de extinção do pacto laboral que eventualmente limitem esse direito, sem que isso pudesse comprometer a sua validade.
Contudo, a despeito de a legislação infraconstitucional ter reafirmado a supremacia dos acordos e convenções coletivas que dispuserem sobre PLR (art. 611-A, XV, da CLT), e expressamente vincular a Justiça do Trabalho ao exame dos elementos essenciais do negócio jurídico (agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei), os juízes e tribunais, com apoio no entendimento contido na anacrônica Súmula 451 do TST, invalidam as cláusulas normativas que limitam o direito de acesso à PLR, em clara e flagrante violação dos artigos 8º, § 3ª e 611-A, § 1º, ambos da CLT. Eis o teor do enunciado sumular:
Súmula nº 451 do TST – PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. RESCISÃO CONTRATUAL ANTERIOR À DATA DA DISTRIBUIÇÃO DOS LUCROS. PAGAMENTO PROPORCIONAL AOS MESES TRABALHADOS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 390 da SBDI-1) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014. Fere o princípio da isonomia instituir vantagem mediante acordo coletivo ou norma regulamentar que condiciona a percepção da parcela participação nos lucros e resultados ao fato de estar o contrato de trabalho em vigor na data prevista para a distribuição dos lucros. Assim, inclusive na rescisão contratual antecipada, é devido o pagamento da parcela de forma proporcional aos meses trabalhados, pois o ex-empregado concorreu para os resultados positivos da empresa.
Ora, se o direito substantivo e as regras adjetivas da PLR podem ser livremente pactuadas pelas partes, e o princípio da isonomia se traduz na ideia de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na exata medida de suas desigualdades, não há como sustentar juridicamente a prática de ato anti-isonômico quando as partes, mediante negociação coletiva, instituem a vantagem, mas condicionam a sua percepção ao fato de estar o contrato de trabalho em vigor na data prevista para a distribuição dos lucros.
Poder-se-ia discutir a prática de ato discriminatório ou a existência de dispensa obstativa caso o empregador demitisse seus empregados em data próxima à distribuição dos lucros com o intuito de privá-los do recebimento da PLR. Contudo, afastar a validade de cláusulas normativas originadas a partir do livre exercício da autonomia privada coletiva, sob o falso pretexto de que a sua redação contempla um tratamento anti-isonômico entre os trabalhadores, além de ilegal, é flagrantemente inconstitucional.
O Supremo Tribunal Federal, inclusive, já se pronunciou algumas vezes sobre a necessidade de se respeitar integralmente acordos e convenções coletivas, conforme se destaca das ementas abaixo transcritas:
DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado. (RE 590.415, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, acórdão eletrônico repercussão geral – mérito DJe 29.5.2015)
TRABALHISTA. AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. TRANSAÇÃO DO CÔMPUTO DAS HORAS IN ITINERE NA JORNADA DIÁRIA DE TRABALHO. CONCESSÃO DE VANTAGENS DE NATUREZA PECUNIÁRIA E DE OUTRAS UTILIDADES. VALIDADE. 1. Conforme assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 590.415 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 29/5/2015, Tema 152), a Constituição Federal reconheceu as convenções e os acordos coletivos como instrumentos legítimos de prevenção e de autocomposição de conflitos trabalhistas, tornando explícita inclusive a possibilidade desses instrumentos para a redução de direitos trabalhistas. Ainda segundo esse precedente, as normas coletivas de trabalho podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos trabalhadores, desde que não transacionem setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade absoluta. 2. É válida norma coletiva por meio da qual categoria de trabalhadores transaciona o direito ao cômputo das horas in itinere na jornada diária de trabalho em troca da concessão de vantagens de natureza pecuniária e de outras utilidades. 3. Agravos regimentais desprovidos. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, pois não houve prévia fixação de honorários advocatícios na causa. (RE-AgR-segundo 895.759, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 23.5.2017)
A inconstitucionalidade da Súmula 451 do TST deriva da violação dos artigos 1º, IV, 5º, II, 7º, XI e 170 da CF. Os princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e do reconhecimento das convenções e acordos coletivos do trabalho, cuja supremacia também encontra fundamento na legislação infraconstitucional (artigos 8º, § 2º e § 3º, 611-A, caput e § 1º, da CLT), devem preponderar diante do aparente embate axiológico travado com o princípio da isonomia, notadamente porque a suposta “relativização” deste último contou com a anuência dos próprios empregados beneficiários da distribuição dos resultados.
Em abono da tese de inconstitucionalidade e ilegalidade da súmula, há que se ponderar, ainda, que os acordos e convenções coletivas que fixam vantagens para os trabalhadores constituem verdadeiros negócios jurídicos benefícios, cujas cláusulas livremente definidas nos instrumentos devem ser interpretadas restritivamente, nos termos dos artigos 114 do CC.
Nessa esteira de entendimento, partindo do pressuposto de que súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho possuem caráter meramente persuasivo e não podem restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei, parece-nos que hoje não mais subsistem argumentos para sustentar a aplicação da Súmula 451 do TST, devendo prevalecer a expressa opção do legislador de garantir a prevalência da autonomia privada coletiva e as negociações coletivas como fontes formais do direito do trabalho em detrimento da legislação heterônoma.