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    Planejamento e política pública

    01° de novembro de 2021, Carlos Augusto Tortoro Jr., sócio do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados e responsável pela área de energia elétrica e contencioso estratégico

    A Lei nº 14.182/2021 cria problemas operativos que dificultarão o trabalho do Operador Nacional do Sistema Elétrico

    A publicação da Lei nº 14.182, de 12 de julho, foi precedida por discussões durante tramitação da Medida Provisória nº 1.031/2021, a respeito de ingerências do Poder Legislativo no planejamento do setor de energia elétrica. Agora, com sua vigência, aparentemente, tais questionamentos foram superados, contudo, permanecendo uma dicotomia entre planejamento e políticas públicas.

    Inicialmente, a medida provisória convertida em lei trazia apenas a questão envolvendo a capitalização da Eletrobras. Primeiramente, não se mostra correto denominar de privatização o que já estava em parte nas mãos de investidores
    privados pulverizados por meio de ações negociadas livremente. Segundo, não parece coerente uma desestatização na qual a União ainda permanecerá com quase a metade do capital social da empresa, além de ações preferenciais de classe especial com poder de veto sobre temas específicos.

    A Lei nº 14.182 cria problemas operativos que dificultarão o trabalho do Operador Nacional do Sistema Elétrico

    O fato é que a aprovação da lei tira dos ombros do setor elétrico brasileiro uma questão que se arrastava desde a década de 1990, quando se iniciou um processo de mercantilização da indústria da energia elétrica no país, com ambiente de competição e maior participação da iniciativa privada no processo de expansão do sistema.

    Assim, o setor de energia elétrica brasileiro pode caminhar a passos largos rumo à tão alardeada modernização, que abrange desde a consolidação da abertura do mercado livre, criação de um balcão organizado de venda e compra até geração distribuída, mobilidade elétrica e maior inserção de fontes intermitentes de energia renováveis, além de outras questões não menos importantes para uma área estratégica e vital da economia.

    Todavia, a Lei nº 14.182/2021 levantou uma séria questão sobre a dicotomia entre planejamento e política pública, na medida em que um número considerável de emendas parlamentares inseriram no corpo do texto legal medidas atinentes à expansão do sistema de geração de energia elétrica, com especificação de fontes, tipo de combustível e prazo de operação.

    Ao se utilizar de técnica legislativa que, então, impediu veto, na medida em que legalmente inviável vetar apenas partes de artigo de lei senão sua integralidade, o Legislativo criou verdadeira política pública de incentivo à criação do mercado de termoeletricidade a partir de gás natural e infraestrutura de gasodutos nas regiões metropolitanas do país, determinando a contratação pelo poder concedente de 8.000 MW até o ano de 2030. Ademais, estabeleceu a prorrogação do Proinfa por mais 20 anos e necessidade de contratação de centrais hidrelétricas de até 50 MW
    para 50% da demanda declarada de distribuidoras de energia elétrica.

    Não há dúvida que o Poder Legislativo tem legitimidade para criar políticas públicas, gozando de respaldo constitucional, cabendo, agora, ao Executivo e demais órgãos da administração pública cuidarem da regulamentação e cumprimento da lei.

    O que chama atenção, não obstante, é a política pública adentrar em especificidades técnicas, cujo conteúdo é objeto da existência de organismos ligados ao Poder Executivo e que são precedidos de estudos sobre a expansão do sistema interligado nacional e sua operação centralizada, de modo que se obtenha segurança energética ao menor custo global possível.

    Ao impor a contratação de fontes de geração de energia e estabelecer uma inflexibilidade de 70%, a Lei nº 14.182/2021 cria problemas operativos que apenas dificultarão o trabalho do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), ao impor funcionamento de termoelétricas a gás natural sem levar em conta os cenários dados pelos modelos matemáticos de planejamento de operação.

    Mesmo que o valor estabelecido na lei para a contratação das termoelétricas a gás natural seja menor do que o custo das atuais termoelétricas, a diminuição da discricionariedade de operação e despacho do ONS culmina em aumentos de custos do sistema, já que inflexibilidade das termoelétricas desloca a utilização de geradores de menor valor, contribuindo para o aumento do custo marginal de operação do sistema interligado nacional.

    Ademais, impor expansão de geração é contraditório ao atual sistema de planejamento indicativo de contratação de geração e transmissão. Desde a reforma de 2004, o setor elétrico convive com política indicativa do poder concedente sobre necessidade de expansão do parque gerador, por meio de estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e recomendações do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Estudos são realizados com horizontes decenais, com elaboração do Plano Decenal da Expansão, no qual é possível capturar condições socioeconômicas que possam demandar ou não investimentos no parque gerador de energia elétrica, evitando-se custos desnecessários que são suportados por todos os consumidores do país.

    Política pública e planejamento não devem estar em lados opostos. Ao contrário, são partes vetores de desenvolvimento social e econômico, cabendo a cada agente institucional cumprir seu papel constitucional e legalmente estabelecido. Assim, o Poder Legislativo deve traçar os limites e a linha de condução de políticas públicas e o Poder Executivo estabelecer o planejamento para o cumprimento das metas democraticamente fixadas, de modo que a sociedade brasileira tenha segurança energética e modicidade tarifária.

    Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.

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