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    Tributação na energia elétrica: os parâmetros da recente decisão do STF e suas consequências para o setor

    Tributação na energia elétrica: os parâmetros da recente decisão do STF e suas consequências para o setor

    Carlos Augusto Tortoro Jr., Danilo Vicari Crastelo e Paola Andrade, sócios e advogada do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados, respectivamente.

    Em tempos de pandemia e de muita insegurança jurídica permeando o ambiente de negócios no país, o Supremo Tribunal Federal, por meio de uma sessão plenária virtual, finalizou o julgamento do RE n. 593.824/SC, fixando a seguinte tese à favor dos contribuintes: “a demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor”.

    Enfim, é possível vislumbrar uma luz para os brasileiros, que tem sido tão drasticamente penalizados por anos a fio com uma das tarifas de energia elétrica mais caras do mundo, repleta de subsídios cruzados e de tributos dos mais variados matizes. O caso, que havia chegado à Corte há 12 anos, teve a repercussão geral reconhecida em 2009 (tema 176) e, no último mês de abril, seu mérito foi julgado por maioria, seguindo os ministros, a jurisprudência já consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça, também a favor dos contribuintes.

    Em uma decisão repleta de conteúdo interdisciplinar, envolvendo questões setoriais e tributárias, o relator, Ministro Edson Fachin, demonstrou a necessidade de separação entre o real consumo de energia e a quantidade disponibilizada pela distribuidora, comumente chamada de “demanda de potência elétrica”.

    De fato, a energia elétrica, aquela gerada a partir de diferenças de potencial entre dois pontos que estabelecem uma corrente entre si, apesar de não ser palpável, é efetivamente considerada uma mercadoria por força da Lei Complementar nº 87 de 13/09/1996 (Lei Kandir), sendo que sua comercialização sofre, obviamente, a incidência do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

    Nas relações de compra e venda desta peculiar mercadoria, dois ambientes distintos são estabelecidos pela Lei nº 10.848/2004 para sua comercialização: o Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e o Ambiente de Contratação Livre (ACL).

    De acordo com artigo 1º, §2º, inciso I, do Decreto nº 5.163/2004, o Ambiente de Contratação Regulada é o “segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica entre agentes vendedores e agentes de distribuição, precedidas de licitação, ressalvados os casos previstos em lei, conforme regras e procedimentos de comercialização específicos”.

    A maioria dos consumidores brasileiros encontra-se neste mercado regulado e é atendida por distribuidoras responsáveis pelo fornecimento físico da energia, remuneradas justamente por essa atividade. O cliente cativo não possui margem para negociação individualizada de preços, escolha de vendedores e de período de suprimento.

    A demanda de potência elétrica é geralmente contratada por indivíduos que são enquadrados no Grupo A, conforme Resolução ANEEL nº 414/2010, e que necessitam de alta tensão para ligar diversas máquinas e equipamentos, por exemplo. Importante destacar que para esse grupo é aplicada a tarifa binômia, ou seja, simplificadamente, o consumidor paga pela energia elétrica efetivamente consumida e pelo uso do sistema de distribuição.

    Como se trata de uma classe de consumidores que demandam grandes quantidades de energia, há a necessidade de se firmar um contrato de demanda, pelo qual a distribuidora se compromete a disponibilizar a eletricidade máxima necessária e a manter o sistema apto para suportar a potência demandada. Contudo, nem sempre o que foi contratado é efetivamente utilizado, o que acabou por gerar a controvérsia sobre qual montante deveria ser incluído na base de cálculo do ICMS.

    Na argumentação fiscal, o imposto deveria incidir sobre a tarifa cobrada do consumidor, ou seja, a base de cálculo do tributo deveria englobar o total da operação: a energia contratada e a consumida. Porém, restou, devidamente apontado pela Corte Constitucional, que o consumo da energia elétrica decorria do seu efetivo uso e não da disponibilização de sua potência.

    Segundo as palavras do ministro relator, “a disponibilização de potência elétrica gera custos à concessionária, e por isso deve ser integralmente paga. No entanto, não corresponde ao consumo de energia elétrica, que é o que efetivamente foi utilizado com a ligação de equipamentos e máquinas, podendo ser maior ou menor do que o que foi disponibilizado”.

    Neste ponto, importante ressaltar que o entendimento firmado foi satisfatório pelo viés de preservação da política tarifária do setor elétrico, não prejudicando as distribuidoras, que continuam sendo remuneradas de forma legítima pela prestação do serviço de disponibilização do sistema e da energia demandada, tampouco o consumidor final.

    Com as premissas interdisciplinares bem delineadas, a controvérsia foi solucionada de forma positiva aos contribuintes, pois, a cobrança do ICMS neste tipo de operação é clara sobre o efetivo consumo da energia corresponder à base de cálculo tributada pelo imposto estadual. Respeitando-se, assim, sua regra matriz de incidência, o que traz inequívoca segurança jurídica ao mercado de energia e sedimenta uma discussão travada há mais de uma década.

    Ao adotar entendimento pró-consumidor, o Supremo Tribunal Federal mostra que ainda há esperança para uma efetiva evolução do setor elétrico no país, no que tange à justiça tarifária, pois há muito sua modicidade foi esquecida em favor da ineficiência de políticas públicas setoriais. Em suma, a decisão colegiada mostra que o consumidor de energia elétrica não pode ser visto como uma fonte inesgotável de recursos financeiros, seja para sustentar máquina estatal ou para subsidiar setores econômicos.

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