Mercado de energia elétrica precisa amadurecer
Carlos Augusto Tortoro Jr., sócio do Tortoro, Madureira & Ragazzi Advogados e advogado responsável pela área de energia e contencioso.
Tal como aconteceu com o mercado financeiro no Brasil, ao longo de décadas houve uma oferta quase insignificante de produtos e fontes de financiamento, o que por certo criou obstáculos ao desenvolvimento do setor e da própria economia do país.
Contudo, a escassez de categorias de investimentos ofertadas ao mercado e linhas de crédito não se justificava exclusivamente pelas altas taxas inflacionárias ou o limitado alcance da economia brasileira ao mercado global.
Boa parte da recalcitrância do setor financeiro em expandir negócios se calcava na insegurança da recuperação de crédito, por conta da ausência de legislação e instrumentos efetivos que amparassem o credor na ocorrência de inadimplemento.
Décadas de estagnação, todavia, não foram suficientes para aplacar o ânimo do setor financeiro, que por meio de seu agente regulador criou diversas normas com o fito de proteger o credor e desenvolver a atividade econômica.
Não é duvidoso dizer hoje que o mercado financeiro brasileiro amadureceu e é tido como um dos mais seguros do mundo. Obviamente, tal afirmação poderá ser questionada por diversos pontos de vista, mas, não há como negar que o desenvolvimento de uma legislação de proteção ao crédito foi fundamental para a instauração de um ambiente de negócios mais saudável e seguro.
Hoje vemos o mercado de energia elétrica em uma situação semelhante ao mercado financeiro de anos atrás, diante de dilemas importantes, cuja solução é a chave para o amadurecimento e o desenvolvimento de um setor econômico relevante e estratégico para o país.
Nas últimas três décadas, o mercado de energia elétrica no Brasil tem se sofisticando e se desenvolvido, por meio da atuação do regulador e, por óbvio, pelo engajamento cada vez mais denso de agentes privados.
Todavia, alguns acontecimentos têm colocado em xeque a segurança para a continuação do desenvolvimento e sofisticação do mercado de energia elétrica no Brasil.
Eventos como a elevação da inadimplência no mercado de curto prazo, intervenções judiciais que alteram a ordem regulatória, em especial, por meio de liminares, e a quebra de contratos de compra e venda de energia no ambiente livre têm suscitado dúvidas nos investidores.
O mais importante é observar que o regulador não tem sido insensível a tais eventos e tem demonstrado preocupação compatível com a grandeza dos problemas, tal como podemos observar na Consulta Pública nº 33 do Ministério de Minas e Energia, na qual se destaca o envolvimento para a criação de uma bolsa de energia elétrica, cuja proposta deve ser apresentada pela ANEEL até 2020. Mas, isso é tema para um próximo texto.
Agora o que importa dizer é que pequenas alterações legislativas podem garantir mais segurança ao ambiente de negócio de energia elétrica.
A título de exemplo, instrumentos legais e financeiros como a alienação fiduciária e contratos de câmbio são classificados como créditos extraconcursais e isso possibilitou o incremento de atividades econômicas, por conta da segurança oferecida aos agentes envolvidos em negócios.
Nota-se, inclusive, que a lei de alienação fiduciária prevê a realização de um procedimento extrajudicial de retomada do bem alienado fiduciariamente, retirando a necessidade de se ingressar no Poder Judiciário para a resolução contratual.
Para o mercado de energia elétrica seria um grande avanço se os contratos de compra e venda no ambiente livre e os contratos de energia de reserva também fossem extraconcursais, inclusive as liquidações no mercado de curto prazo.
Mais segurança aos credores no cumprimento de contratos seria solo fértil para o desenvolvimento de novos negócios e diminuição de riscos, especialmente, quando se fala de um mercado multilateral como é a liquidação de curto prazo.
Isso implicaria menos riscos aos agentes vendedores, geradores e comercializadores, além de facilitar o acesso de novos consumidores ao mercado livre de energia elétrica, ampliando o ambiente de negócios e volumes financeiros envolvidos.
Aproveitar as discussões sobre o Projeto de Lei 10.220/2018, que trata de um novo procedimento para recuperações judiciais e falências, para incluir a extraconcursalidade dos contratos de energia elétrica é medida urgente e sensata, sob o ponto de vista negocial e de estratégia para a manutenção do desenvolvimento do mercado de energia elétrica no país.
Em última instância, a existência de instrumentos legais que diminua os riscos e obstaculize a socialização da inadimplência junto aos credores do mercado de curto prazo pode significar um ajuste considerável na modicidade tarifária em benefício do mercado e dos consumidores em geral.