Estado democrático de direito como princípio estruturante e a defesa da moralidade administrativa
Revista de Direito Constitucional e Internacional do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) – Revista dos Tribunais, v. 29, no. 128
Outubro/Dezembro de 2021, por Prof. Dr. Nuno Morgadinho dos Santos Coelho e Arnaldo Rodrigues Neto
1. ESTADO DEMOCRÁTICO COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL ESTRUTURANTE DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Para que se possa compreender corretamente o tema proposto, necessário se faz uma digressão a fim de que ele seja realmente compreendido em sua integralidade.
A partir da década de 1940, em especial, após término da segunda grande guerra, novas necessidades no seio da sociedade foram surgindo e, de igual forma, o Direito precisou evoluir no sentido de sua consolidação por meio de um sistema normativo constitucional administrativo, denominadas matrizes constitucionais.
Essas matrizes surgem por meio de sistemas de constituição que possuem especificidades particulares à administração pública. Tendo a possibilidade de serem conceituadas como normas constitucionais que formam o regime jurídico-administrativo. Através delas, foi possível iniciar a construção da concepção de regime jurídico-administrativo, mais adequada e relacionada à estrutura normativa, acompanhada pela construção normativo-axiológica dos princípios estruturantes.
A partir desta leitura, procurou-se a superação do tradicional paradigma que legitimava o regime jurídico-administrativo no interesse de todos, que surgia de um sistema de poderes verticais e sem simetria da Administração Pública.
Desse modo, por meio dos fundamentos estruturantes buscou-se a lógica do arranjo normativo constitucional, baseado no Estado constitucional de Direito, evidenciando três princípios de cunho estruturantes:
a. Dignidade da pessoa humana;
b. Estado democrático de Direito; e
c. Princípio Republicano
Canotilho (2003, p. 1173-1174) define os princípios estruturantes como “traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico do político”, as diretrizes normativas fundamentais, constitutivas e indicativas “das ideias diretivas básicas de toda a ordem constitucional”.
Assim, os princípios estruturantes concretizam outros princípios e regras, capazes de iluminar “o seu sentido jurídico-constitucional e político-constitucional, formando, ao mesmo tempo, com eles, um sistema interno” (CANOTILHO, 2003, p. 1173-1174).
De outro modo, a discussão do Estado democrático direito como princípio estruturante baseia-se no paradigma que surge da administração pública democrática com a participação social nas decisões e na eficiência da máquina pública.
2. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL ESTRUTURANTE
Existem muitas teorias democráticas que tentam explicar como se deu o contexto sociopolítico atual, ainda mais agravado com a pandemia do COVID-19. Esse fato afasta as abordagens mais críticas, restando apenas as relações mais teóricas, relevantes ao debate acerca do regime jurídico-administrativo que se volta o presente estudo.
Como mencionado anteriormente, a partir da segunda guerra mundial, foi possível observar o surgimento de movimentos que buscavam constitucionalizar o Direito Administrativo, tratando de um refinamento maior dos instrumentos de combate e transformação social. Como expoentes desses movimentos com mais pertinência ao presente estudo, destacam-se:
a. Teorias democráticas segundo Paulo Bonavides (2003): procuram explicar o complexo contexto sociopolítico atual, através de uma discussão abrangente;
b. Componente ideológico-constitucional: instrumento que auxilia no compromisso com a transformação social, para Bonavides esse instrumento deve ser colocado ao lado do estado social como preceitos à democracia, liberdade e desenvolvimento. Sendo a escravização da mídia pelo capital um ponto que merece atenção na teoria do autor, pois, é um dos empecilhos que impedem o alcance de uma democracia participativa.
c. Para Bonavides, o Estado social e democrático de direito, na sua construção, necessita da quebra com as práticas de exclusão características do neoliberalismo, entrave à democracia material.
d. Os movimentos da abertura globalizante são necessários por causa de suas pretensões de construção de um novo modelo de globalização, uma globalização conscientizada universalmente com respeito às diferenças e à dignidade humana: “Uma utopia possível onde as tecnologias não sirvam para escravizar as pessoas e alimentar o mercado voraz, mas que sejam instrumentos libertários e emancipatórios do ser humano” (SANTOS, 2001).
Diante disso, evidencia-se que, após a leitura global do aspecto político e sociológico, é necessário ao aplicador do direito analisar as teorias da democracia atuais, para que ao final seja possível debater sobre o Estado Democrático de Direito e seu conteúdo normativo-constitucional.
3. TEORIAS DA DEMOCRACIA
Ao tratar das Teorias da Democracia nota-se que a convergência doutrinária se pauta na concordância de que se trata de “um quadro em constante construção”, restando a definição de modelos e concepções teóricas para cada doutrinador. Desse modo, acredita-se que a divisão de Canotilho é a melhor em razões didáticas:
- Teoria democrático-pluralista
- Teoria elitista da democracia
- Teoria da democracia do “ordo-liberalismo”
- Teoria normativa da democracia liberal
- Teoria normativa da democracia republicana
- Teoria normativa da democracia deliberativa
- Teoria normativa da democracia discursiva
- Teoria normativa da democracia corporativista
- Concepção minimalista de democracia e
- Democracia eletrônica
A teoria pluralista acredita que o processo de formação da vontade democrática não está no povo, nem na noção de um indivíduo abstrato, como na teoria liberal, está em grupos resultantes das interações sociais. Sendo as decisões políticas o reflexo e a resposta aos interesses de tais grupos. Quanto às críticas, tem se a relevância do fato de os grupos não possuírem igualdade na influência política.
A teoria elitista da democracia parte de um preceito de democracia que a tem como meio de obter apoio da população, através da dominação para o exercício do poder, o momento em que os governados podem decidir através do voto “qual elite concorrente que deveria exercer o poder” (CANOTILHO, 2003).
As críticas a esta teoria se pautam na contraposição a outros modelos de participação popular ativa na escolha de decisões políticas. Além disso, vai de frente aos preceitos do Estado Social e democrático de direito, baseado no conjunto de princípios e direitos fundamentais (individuais e sociais).
Já a teoria normativa da democracia republicana baseia-se na “dimensão constitutiva da vontade democrática”, convertendo a democracia em um “compromisso ético-político”. Ao contrário da teoria normativa democrática liberal, a concepção republicana defende que o cidadão não é apenas um conjunto de direitos e liberdades negativas, mas um sujeito de direitos e comunicação política, com liberdades positivas.
A leitura desses institutos remete aos mais influentes modelos teóricos atuais, conceituados da seguinte maneira:
Teoria da democracia deliberativa e discursiva tendo Habermas (1997) como principal filósofo, esse modelo se funda em “regras de discussão, formas de argumentar, institucionalização de processos – rede de discussão e negociação – cujo fim é proporcionar uma solução natural e universal a questões problemáticas, morais e éticas da sociedade” (Canotilho, 2003). Desse modo, é possível afirmar que é um conceito procedimental de democracia, em que há auto-organização política, sendo ainda um modelo que se distancia das concepções estatais, que se importa com a construção da “rede de comunicação e participação estruturante de uma sociedade democrática” (HABERMAS, 1997).
Para Habermas, a democracia discursiva tem em seu centro os conceitos de esfera pública e sociedade civil. A esfera pública possui a característica da participação igualitária e pública de um sujeito plural, sendo a autoridade o melhor argumento. É ainda um espaço com aumento do domínio público, onde novas questões são submetidas ao debate nacional:
(…) a esfera pública poder ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos.
A concepção habermasiana se mostra como um ambiente de construção da esfera pública democrática, relacionada ao mundo da vida e garantindo proximidade com os problemas e as questões do cidadão comum, sem muita instrumentalidade.
De outro modo, a crítica de Habermas se pauta na necessidade de condições iguais de oportunidade e participação no debate público, bastante distanciada da realidade de democracias periféricas, como a do Brasil. O déficit educacional político da comunidade nacional faz com que essa proposta se torne apenas um ideal, distante da realidade.
A teoria normativa da democracia de Bonavides (2003) representa uma versão mais acabada de Estado Social, segundo o autor. A sua análise mostra que a escravização do legislativo pelo executivo coloca os juízes e os tribunais numa posição de defesa à Constituição, fortalecendo a supremacia e os princípios do Estado constitucional de direito.
O autor ainda pontua que em países em desenvolvimento não há senão uma ditadura dissimulada da democracia representativa, em que se quer se saber onde o povo está.
Assim, a democracia participativa propõe a superação da separação dos poderes, partindo para uma divisão mais orgânica, pautada na unidade constitucional. Ao tratar da mídia, o autor ressalta que é um dos grandes responsáveis pela passividade política do povo, asseverando que “a mídia nas mãos da classe dominante, é a mais irresistível força de sustentação do status quo e de seus governos conservadores, impopulares, injustos”. Ainda conclui que o Brasil possui um espírito democrático que foi bloqueado pela representatividade deslegitimada, sem a essência constitutiva do povo.
É importante tratar também que proposta de democracia participativa não busca a mitigação, nem o cancelamento da representação política. Sendo que a aposta do Brasil está no fortalecimento e na efetivação da esfera direta de participação popular, buscando a eficácia e a efetividade de direitos fundamentais.
No entanto, mesmo que seja sofisticada, ainda possibilita algumas críticas, como os conceitos e normas da proposta político-ideológica que são comuns ao Neoconstitucionalismo. Além do déficit democrático que apresenta, já que encontra no ativismo judicial seus traços constitutivos, capaz de piorar a apatia política que estava tentando melhorar.
Assim, mesmo que haja a intenção de aumentar a participação popular, pelo ativismo judicial, há o claro risco de se fomentar a figura do “cidadão-cliente”, ao invés da implementação da democracia participativa que mostra o cidadão-participante.
De todo modo, mesmo possuindo críticas no contexto, a luta pelos direitos, mesmo judicialmente, instaura a cidadania participativa e ativa no cidadão.
Não há dúvidas que a democracia é alimento para a alma da comunidade, e a liberdade e igualdade só são alcançadas através da educação cidadã. Sendo necessário que a comunidade política esteja pronta para respeitar e garantir os direitos humanos fundamentais. Inicialmente é necessário saber quais direitos já se tem, para depois lutar por eles.
A consciência política somente se formará pela educação e pela liberdade de informação. Desse modo, é inevitável pensar na impossibilidade de haver diálogo democrático, quando grande parte dos integrantes não possuem condições para seu exercício.
Sumariamente, a proposta da democracia participativa é um exercício de evolução para a democracia discursiva, baseada no modelo habermasiano de diálogo aberto e plural, buscando sempre a igualdade de condições para a participação, de forma que todos os assuntos possam ser levados a debate (CRISTÓVAM, 2016).
No Brasil, ainda é um projeto futuro, uma utopia a ser construída através da educação e da formação política e cidadã. Portanto, há de se ressaltar que um dos grandes problemas dos movimentos populares está em sua diminuta organização, fazendo com que os integrantes atuem de acordo com interesses exclusivos.
4. O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL
Canotilho (2003) ao tratar da democracia como princípio normativo volta à fórmula de Abraham Lincoln a respeito da democracia: “o governo do povo, pelo povo e para o povo”, tratando-a como um meio de justificar positivamente a democracia.
Já Bonavides aborda que, no processo democrático, o povo é sujeito ativo, assim, não há democracia sem participação, haveria, nesse caso, apenas uma ditadura constitucional. O povo, nesse sentido, pode ser visto de três modos:
a. Povo em um viés político
b. Povo em um viés jurídico
c. Povo em um viés sociológico
Nesse sentido, antes de tratar do estado democrático como princípio fundamental da ordem brasileira, é válido fazer uma prévia abordagem do conteúdo normativo do Estado de direito, de forma que “visa dar resposta ao problema do conteúdo, extensão e modo de proceder da atividade do estado, conformando “as estruturas do poder político e a organização da sociedade segundo a medida do direito, um meio de ordenação racional e vinculativa de uma comunidade organizada (BONAVIDES, 2003).
No nosso sistema constitucional, há a determinação de o Estado de direito estar associado ao Estado constitucional de direito, por meio do complexo de normas pautado na Constituição, como no artigo 1º, caput e artigos 18 e 33, que tratam da forma federativa de Estado; nos artigos 2º, 44 e 126, que tratam da separação de poderes e funções; nos artigos 5º e 17, que abordam os direitos individuais, coletivos, sociais e políticos; nos artigos 59 e 69, que tratam do processo legislativo; artigos 102 e 103, que tratam da constitucionalidade e controle; e nos artigos 37 e 41, que tratam da Administração Pública.
Retornando ao Estado democrático e seu status vinculado à Constituição, é válido ressaltar que no preâmbulo da Constituição já há menção ao Estado Democrático, enquanto o artigo 1º trata do “Estado democrático de direito”, como na Constituição da Alemanha, Portugal e Espanha.
Além disso, a Constituição Federal dá ao Estado Brasileiro o modelo republicano, social e democrático de direito, em todas as dimensões materiais e organizacionais. Vinculando a legitimação do Estado a outras obrigações negativas e prestacionais, com obrigações ligadas à soberania popular, ao pluralismo, à cidadania e à participação política democrática.
Desse modo, Canotilho trata da democracia como um princípio jurídico-constitucional, relacionada a diversas dimensões. Na dimensão representativa: “o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática representativa – órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação dos poderes” (CANOTILHO, 2003).
Já na dimensão participativa: “estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efectivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer o controle crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos” (CANOTILHO, 2003).
É possível afirmar que essas dimensões do princípio democrático estão inseridas no plano constitucional brasileiro. No artigo 1º, parágrafo único da Constituição Federal, ao enunciar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, há a ideia de democracia representativa. Também existem na Constituição normas que tratam da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (artigos 44 a 58), do pluralismo político (artigo 1º, V), do sufrágio universal, voto secreto e direto (artigo 14 e 60, parágrafo 4º, II) e que tratam dos partidos políticos (artigo 17).
A democracia direta e participativa pode ser encontrada no artigo 1º, parágrafo único da CF, bem como no artigo 14, incisos I, II e III. Ademais, existem outras disposições constitucionais tratando da liberdade de expressão, direito de reunião e manifestação política.
Em síntese, o princípio democrático de direito precisa ser entendido como um modelo dinâmico e c em transformação. Ademais, deve ser contrário a quaisquer reduções e aprisionamentos estáticos. Deve ser um princípio aberto e informador das ações do Estado e da sociedade, guiando o caminho da democratização do espaço público, por meio da educação para a cidadania e da autodeterminação, visando a participação no processo político, com igualdade de condições a todos.
Portanto, não há dúvidas que o princípio democrático e a dimensão material e organizacional do Estado democrático de direito caminham na direção da integridade material e da igualdade substancial, sendo um mecanismo de defesa e um meio de promover os direitos fundamentais.
Assim, nota-se a relação dialética que não acaba no papel de defensor da liberdade de participação, porque, alcança contornos essenciais à livre participação na formação da democracia.
Com todas as informações supracitadas, é possível constatar que não existe liberdade democrática sem igualdade material, ou seja, sem as mínimas condições de participação ativa e crítica na vida pública. O Estado Democrático de Direito forma-se pelos direitos fundamentais individuais e sociais, sendo indissociáveis. Saindo desta órbita, percebe-se que os direitos fundamentais são estáticos e as condições para o debate político são escassas.
5. DO NEXO INTERNO ENTRE A DEMOCRACIA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS: BREVES CONSIDERAÇÕES SOB A ÓTICA DA TEORIA DISCURSIVA
Para a correta compreensão da dimensão que o nexo interno de causalidade existente entre a Democracia e os Direitos Fundamentais, são necessários alguns apontamentos à luz da Teoria Discursiva.
Tratando do tema, não é possível separá-lo de Habermas, pois o autor e filósofo buscou criar uma teoria universalista do direito, superando, por meio da teoria discursiva, as visões liberais e comunitárias do direito.
Através desse raciocínio, a Teoria Discursiva se distancia do positivismo jurídico, situado no plano normativo e das correntes realistas e céticas, que o entendem pela “facticidade”. Alguns pontos da teoria habermasiana são muito relevantes neste trabalho:
a. A teoria democrática de Habermas pauta-se numa ampla concepção política, na participação pública e na busca pela superação de abordagens realistas;
b. Habermas trata de uma visão não agregativa da teoria democrática, baseada em intercâmbios comunicativos;
c. Habermas relaciona o discurso e a razão, mostrando os caminhos que consideram o particular e o universal simultaneamente;
d. Habermas lida com ética discursiva, possibilitando a lide com o pluralismo;
e. A teoria da democracia de Habermas reconhece a relevância de públicos descentrados.
Com essa concepção, Habermas procura apresentar aos cidadãos que, na busca pela igualdade de direitos, não é válido submeter o princípio de democracia à moral, além de que os direitos humanos, a autonomia privada e pública e a soberania podem andar lado a lado.
Desse modo, para o autor, a moral é formada de símbolos, por isso, é fácil que mude para que determinada parte da sociedade se aproprie dela, dificultando o bem comum. Ademais, a teoria trata também da democracia saudável, que basicamente seria o alcance do direito legítimo, assegurada a participação de todos os cidadãos. O que é muito relevante, pois, para Habermas, as liberdades subjetivas devem ser asseguradas a todos.
A igualdade na subjetividade dos indivíduos, defendida por Habermas, se mostra como a pedra angular do trabalho, defendendo que nenhuma autonomia deve sobrepor-se a outra.
A intenção de Habermas é tratar que a teoria discursiva é capaz de fazer com que os cidadãos que possam não se conhecer ou estejam em lugares diferentes frente a sociedade saibam que são autores e destinatários de seus direitos e, assim, cheguem a uma maior participação social.
É possível dizer que esta teoria é uma “abertura de novas perspectivas”, pois, mostra diversos meios de tratar do direito e da justiça social, além de tratar do direito com um pensamento mais atualizado, de forma que outras teorias possam ser formadas através desta.
Em outro sentido, ao tratar dos direitos fundamentais, é possível notar que as explanações estão centradas em esclarecer a relação entre soberania popular e direitos fundamentais. Para o autor, a positivação do sistema de direitos fundamentais através da Constituição tem a função de contextualizar os princípios e fazer com que se tornem base comum a todos os cidadãos:
A ideia dos direitos humanos e da soberania do povo determinam até hoje a autocompreensão normativa de Estados de direito democráticos. A história de teoria é um componente necessário, um reflexo da tensão entre facticidade e validade, entre positividade do direito e a legitimidade pretendida por ele, latentes no próprio direito (HABERMAS, 1997).
Para o autor, os conceitos de Direitos Humanos e soberania do povo são meios de sustentar o direito moderno, porque, essas ideias sobrevivem mesmo que a substância normativa passe pela fundamentação pós-tradicional. Estes direitos não se subordinam à autodeterminação.
Nesse sentido, a existência da democracia só persistirá através da conjugação de garantia das liberdades subjetivas, para a participação dos cidadãos. Desse modo, é possível notar que a sociedade democrática só se mostra se existe liberdade entre o discurso e as garantias de direitos fundamentais:
A ideia básica é a seguinte: o princípio da democracia resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica. Eu vejo esse entrelaçamento com uma gênese lógica de direitos, a qual pode ser reconstruída passo a passo. […] o princípio da democracia só pode aparecer como núcleo de um sistema de direitos. A gênese lógica desses direitos forma um processo circular, no qual, o código do direito e o mecanismo para a produção de direito legítimo, portanto o princípio da democracia, se constituem de modo co-originário (HABERMAS, 1997).
Em relação à tensão que há entre os direitos humanos e a soberania popular, Habermas assevera que há solução através da “compreensão adequada entre facticidade e validade no âmbito do direito”. Por isso, os direitos humanos podem se basear na autodeterminação dos povos, pelo exercício da soberania popular.
Portanto, é possível dizer que se os direitos fundamentais são assegurados na Constituição, com legitimidade do processo, eles se tornam normas impositivas e obrigatórias, protegidas contra as ingerências sociais e impedindo que haja instrumentalização do poder através da representação, da divisão de poderes e da diferença entre lei ordinária e constitucional.
Além disso, como alhures afirmado, não há intenção de esgotar o tema neste trabalho, voltando-se a mostrar especificidades do Estado democrático de Direito como princípio estruturante, através das teorias normativas.
CONCLUSÃO
Com o presente estudo buscou-se demonstrar através da abordagem dos fundamentos estruturantes a importância do refinamento do diálogo e a manutenção da lógica, que conta com o arranjo normativo constitucional, sempre pautado no Estado Constitucional de Direito e no paradigma da administração pública democrática.
Além disso, após a Segunda Guerra Mundial, foi possível notar o aumento no número de movimentos de constitucionalização do Direito Administrativo, baseando-se sempre na busca por meios de combate e de transformações sociais. Desse modo, percebe-se que a democracia é fundamental para a alma política da sociedade e, a liberdade e igualdade, norteadoras do princípio democrático, são atingidas através da boa educação e da formação cidadã.
Para isso, é necessário que a comunidade esteja preparada para entender, respeitar e promover os direitos humanos fundamentais, descobrindo, inicialmente, quais são os direitos que possuem, para, depois, lutar por eles e ir em busca de seus deveres em sociedade.
A proposta axiológica da democracia participativa é como um exercício de evolução para alcançar a democracia discursiva, pautando-se no modelo habermasiano do processo de diálogo, aberto e plural, em pé de igualdade, a fim de alcançar a participação livre e conscientizada da população, trazendo os mais diversos assuntos ao debate.
No Brasil, essa participação ainda é como um projeto futuro, que poderá ser alcançado por meio da via libertária educacional e da formação política e cidadã da população. Nos movimentos e manifestação que acontecem aqui percebe-se a pouca organização, o que faz com que os manifestantes se tornem vítimas de um jogo de interesses.
Com o exposto, portanto, nota-se a inexistência da real liberdade democrática, sem igualdade material, sem participação na vida pública. Desse modo, o Estado Democrático de Direito é alicerçado pelos direitos fundamentais individuais e sociais, fundando o próprio molde de Estado constitucional de direito. Em outro viés, não abordado por essa lógica, percebe-se a imobilidade das condições para o debate em torno da democracia, sem anseios de legitimidade constitucional.
Logo, é possível deduzir que se os direitos fundamentais não são assegurados na Constituição por meio da legitimidade processual, há inserção de normas impositivas e obrigatórias, protegidas contra as ingerências da sociedade, que muitas vezes são baseadas na comoção momentânea do povo, tornando impossível a instrumentalização do poder através de mecanismos como a representação e a divisão dos poderes.